segunda-feira, 30 de novembro de 2009

SOBRE MÉDICOS E PROFESSORES


O texto que segue é uma resposta a alguns colegas professores e médicos que, vez por outra deparam-se com situações estapafúrdias e imperdoáveis,envolvendo ambas as profissões cujo caráter sacerdotal ainda é citado de modo saudosista por muitos, como a justificar erros através da falta desta tal "vocação sacerdotal".Numa dessas reuniões de colegas e amigos, recentemente, alguém bradou que "há uma crise generalizada de formação superior no País".De pronto, alguém disse "que todo o prblema da saúde e da formação em geral, repousava na área da educação". Claro que, diante da abrangência do tema as conversas vararam a madrugada, até o ponto em que o "nível de sangue na corrente alcoólica" já não permitia raciocínio lúcido. Daí o tema continuou sendo discutido por via que particularmente detesto, mas que se mostra mais rápida e menos etílica...o correio eletrônico, donde o texto abaixo que, para nosso desespero, não se desatualizou.

SOBRE MÉDICOS E PROFESSORES
Quarta-feira, 6 de Maio de 2009 6:52

Caríssimos amigos e colegas

Os que comigo convivem há mais tempo sentem que já se tornou enfadonho meu discurso sobre a questão educação-medicina. Isto mesmo, são uma só questão cuja similitude dos avanços e retrocessos em nosso País já se tornaram rotineiros e são passivamente absorvidos pela população. Cursei a cadeira de pedagogia médica durante meu doutoramento e lecionei, ao longo do caminho, para turmas de medicina,biologia, odontologia, enfrmagem e fisioterapia, na UFRJ e na Universidade Gama Filho. Tive a oportunidade de conversar por anos com colegas professores-médicos em ambas instituições. Daí a cantilena com a qual aborreço muitos dos meus amigos. É o que segue:

1- Houve época em que havia um único ministério para saúde e educação, pois não se concebia que as duas coisas pudessem ser dissociadas. Salvo engano, foi no governo de Getúlio Vargas, na década de 1950.

2- Tanto a saúde como a educação são temas recorrentes em todos, absolutamente todos, os discursos de palanque de parlamentares em campanha.

3- Os currículos das universidades privadas, em sua maioria, são elaborados de modo que dificultem, até onde for possível, a transferência de um aluno para outra instituição de ensino superior. E isto se agrava quando o aluno sai de uma universidade privada para uma pública.

4- As bibliotecas das universidades privadas, no que tange à área médica, são absolutamente desatualizadas. Desafio alguém a me indicar uma única que disponha de meia dúzia de um desses títulos em edições recentes : The Cell (Alberts et al) ou sua tradução em língua portuguesa, Biologia Molecular da Célula; Virology (Fields), são dois volumes sem tradução e constituem a "bíblia" da virologia; Bases Farmacológicas da Terapêutica (Goodman e Gilman), Bioquímica (Lehninger), Imunologia Básica e Clínica (Stites et al), há muito já traduzido...e por aí vai. Eram esses alguns dos que eu indicava ao início do semestre. Todos caríssimos para a maioria dos alunos.

5- Assinatura de periódicos tais como : JAMA (Journal of American Medical Association) , Lancet, Journal of Virology, A Folha Médica,Nature, as revistas das sociedades científicas brasileiras, do CNPq etc...nem pensar!

6- São alunos universitários de ciências biomédicas que estudam em cadernos, em cópias xerox de capítulos de livros defasados e, o que é pior, em "sites" da internet. A maioria não entende com perfeição um artigo científico em língua inglesa, isto é, nem do abstract da publicação conseguem depreender o tema abordado e constatar se é, ou não, do seu interesse e o gau de importância da publicação.

7- Mas os IBEUs, as Culturas, CCAAs, os Wizards e Wises estão aí mesmo...riquíssimos.

8- Quase todos os alunos trazem sérias deficiências do ensino secundário; a estas adicionam outras oriundas do curso superior; depois vão tentar supri-las nos cursos de "pós". Quando fiz minha "pós" (Especialização, em 1978, na UFRJ), o curso teve 1.520 horas. Há tempos não passam das 360 horas-aula (pouco mais de 400 horas corridas) exigidas pelo MEC.

9- Uma vez "formados" e já com uma série de vícios adquiridos ao longo dos anos nas faculdades-shoppings-centers, têm que arranjar cargos e empregos. Isto mesmo, são coisas diferentes do ponto de vista jurídico-administrativo. Daí conseguem, através de concurso, uma matrícula pública para ganhar um salário ridículo. É o cargo...que paga pouco, mas tem estabilidade, quer dizer, nunca demite...mesmo! E tem que arranjar um (ou mais) empregos, a fim de quê,os ganhos somados, justifiquem tanto tempo e dinheiro investidos. Qualquer semelhança com as carreiras não biomédicas não é mera coincidência.

10- Alguns tornam-se empresários da miséria humana, fundam associações que dão à luz: cooperativas e aos insalubres "planos de saúde". Só a questão das cooperativas, quer de médicos, quer de docentes, já constitui tema para muita discussão, apreensão e investigação...POLICIAL!

11- Notaram a semelhança entre médicos e professores quando o assunto é a remuneração do trabalho? Tem que ter três ou cinco empregos, com um cargo no meio deles (matrícula pública) para ter uma vida decente, tornando indecente a vida de quem precisa desses profissionais.

12- E por fim,temos os resultados obtidos pelo CRM (Conselho Regional de Medicina)do estado de São Paulo que aplicou, em 2008, um teste de aptidão básica em 15.000 alunos voluntários recém-formados. A aprovação não chegou a 30%! E tome USP, UNICAMP etc. Daí esse órgão estar a exigir providências do CFM (Conselho Federal de Medicina) e do MEC para ser obrigatório um exame de aptidão em recém-formados, nos moldes do que faz a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)que, nos últimos cinco anos, vem reprovando mais de 89% dos bacharéis. O Sindicato dos Médicos jamais o permitirá.

13- Ainda hoje foi divulgado que face os pífios resultados que vêm sendo obtidos no exame da OAB, por bacharéis em direito, em todo o País, as faculdades e universidades terão de aprovar mais que 30% de seus egressos. Caso contrário, poderão ficar até dois anos sem terem seus exames vestibulares aprovados pelo MEC. O passo seguinte seria o descredenciamento do curso, pelo MEC...que não ocorre de forma nenhuma. Por que? Porque há lobistas que “remuneram” os representantes do MEC nos estados (os antigos Delegados do MEC) para que tal não ocorra. A Profa. Portugal, ex-delegada do MEC em São Paulo, à época de Fernando Henrique (Presidente) e Paulo Renato Souza (MEC), ficou famosa nesta "área de atuação".

14- É verdade que a crise de formação é geral. Mas quando se trata de formar pessoas cujo material de trabalho é o ser humano... que é filho, marido, irmão,esposa, mãe, pai, amigo de outros seres humanos, há que se ter muito esmero e dedicação.

Nesse ponto já não sei se estou me dirigindo aos médicos ou aos professores. Este tema já me cansa...há anos...mas as vítimas continuam aparecendo. Acabam quase sempre muito pranteadas e lembradas...mas nunca voltam!

Um grande abraço.

Haroldo.

3 comentários:

sheba disse...

Como é clara suas afirmativas, veridicas e dolorosas; sou professora percebo minhas deficiências e busco melhorar, mas me sinto um rato na gaiola... não chego a lugar algum...
Sheyla Araguaína - To

BLOG DO PROF. HAROLDO NOBRE LEMOS disse...

Cara Sheyla, o 1º passo você já deu. E é o mais difícil: realizar a autocrítica. De agora em diante, sugiro que busque, de preferência em Instituição Federal de seu estado, cursos, seja lato sensu (especialização), seja stricto sensu (mestrado e doutorado), a fim de que você se reaproxime do convívio acadêmico. Isto, de certo, irá estimulá-la e motivá-la.
Felicidades e fique em paz.

Zé Marx disse...

"(...) nível de sangue na corrente alcoólica..." - Só você! (rs).