quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Crítica ao filme "Boa Noite, Boa Sorte"


*Originalmente publicado em Papo Livre

Um governo vigilante no cenário pós-guerra. Terror para garantir a segurança do país. Perseguição da crítica e liberdade de expressão a um alto custo e risco. Este é o ambiente de “Boa Noite, Boa Sorte”, filme que retrata um período da história norte-americana no qual se revela a importância social do jornalismo engajado no combate à censura, pela liberdade de expressão.

O filme conta a história da tomada de posição do jornalista Edward R. Murrow contra o senador McCarthy, em defesa dos direitos civis dos cidadãos norte-americanos. É um convite à reflexão da ética, do papel da imprensa, do desenvolvimento da TV comercial, da função social do jornalismo e do poder da opinião pública. Para entendermos o contexto histórico, se passa durante a Guerra Fria, quando o mundo se encontrava dividido pelas ideologias do socialismo e do capitalismo.

Naquela época, se chamou de “macartismo” os métodos empregados pelo senador Joseph McCarthy, presidente da Comissão de Atividades Antiamericanas do Senado, na tentativa de manter a segurança nacional livre de qualquer ameaça comunista. O grande problema é que pessoas passaram a ser perseguidas sem terem o direito de defesa, o que ia de encontro à própria constituição do país.

O "inimigo" era sempre apresentado como um ente traiçoeiro, astucioso e sempre agindo nas sombras e na escuridão. Qualquer um poderia ser um espião comunista, o que aumentava ainda mais o medo e o isolamento entre as pessoas. De modo oportuno, McCarthy usava a imagem de sua política de “caça às bruxas” para ser visto como protetor e herói nacional, além de firmar-se no poder de forma autoritária.

A denúncia do inimigo invisível era uma das armas mais poderosas do macartismo, que apresentava uma postura arbitrária dos investigadores em relação aos investigados. O próprio McCarthy, o então senador Richard Nixon e o advogado Roy Cohn, principais acusadores, impunham a culpa aos acusados ou obrigavam-lhes a acusarem outros supostos comunistas.

Muitas pessoas foram denunciadas desta forma e perderam seus empregos, além de terem sua reputação manchada e sofrerem humilhações públicas. Mas é aí que Murrow entra na história. Edward Roscoe Murrow era âncora do programa “See It Now”, transmitido pela “CBS News”, e tinha grande influência política, o que revela a importância da TV já no início dos anos 1950.

Ele ficou sabendo do caso do tenente da Aeronáutica Milo Radulovich, que havia sido apontado como agente comunista e convidado a se desligar das Forças Armadas sem ter o direito de defesa, através do jornal “Detroit News”, de Michigan, e utilizou seu poder de edição, de escolha editorial, para abordar o caso por se tratar, em seu entendimento, de uma questão ligada aos direitos civis e, portanto, de interesse público.

Murrow recebeu grande resistência dos representantes da emissora já que a licença de veiculação era concebida pelos próprios políticos que seriam atacados, além de que os patrocinadores do programa tinham um contrato com as Forças Armadas. Ou seja, o velho e conhecido “rabo preso” que impede a prática do jornalismo livre e engajado. Mas que não impediu Ed Murrow e seu parceiro e produtor Fred Friendly de levar a notícia ao ar, mesmo tendo de pagar a publicidade do próprio bolso.

O macartismo começou a declinar a partir daí, já que Milo Radulovich foi julgado inocente das acusações e reintegrado às Forças Armadas. Logo, o programa criticaria diretamente o próprio McCarthy. Ed Murrow recebeu pesadas críticas e represálias do próprio senador, mas, naquele momento, os exageros do macartismo já eram visíveis por uma parte expressiva da população.

O “See It Now” apresentou uma das mais contundentes críticas ao tipo de política que estava sendo feita num período em que muita gente era contra McCarthy, mas não tinha coragem para dizê-lo. No entanto, persistente como era, McCarthy ainda tentou impor seus métodos nas Forças Armadas, embora sem sucesso. O advogado das Forças Armadas, Joseph Welch, humilhou o senador num julgamento público realizado em 1954. Era o fim do macartismo.

Por está envolto em casos polêmicos, o “See It Now” perdeu importantes patrocinadores e teve de sofrer modificações, inclusive mudar de dia e de horário na grade semanal da emissora, deixando o horário nobre de terça-feira para o fim de semana (domingo), onde a nova regra era clara: mais superficialidade e menos civismo.

Entretenimento em detrimento dos valores humanos e éticos foi algo que fez Ed Murrow repensar sobre o verdadeiro papel de sua profissão. É dele a frase: “we are in the same tent as the clown and the freaks - that’s show business”. Nos anos seguintes, em 1965/66, a CBS se recusou a transmitir as audiências no senado sobre o Vietnam e optou por reprisar um episódio da série “I Love Lucy”. O que acentuou a decadência da televisão.

Para Murrow, nunca dizer é o mesmo que censurar. Ele acreditava que o papel da televisão ia muito além de entreter. Segundo ele, caso não tivesse uma função social-educativa se tornaria algo que iria distrair, iludir, divertir e nos isolar da realidade e do mundo em que vivemos.

Edward Murrow serve de inspiração e modelo. Sabemos que o telejornalismo brasileiro, especialmente o Jornal Nacional, copiou os padrões norte-americanos de tratar a notícia com superficialidade, ilusória imparcialidade e de jamais atacar os mais fortes de frente, principalmente quando se tratam de anunciantes que pagam o salário dos profissionais da emissora.

Outro ponto é a velocidade como a notícia é divulgada hoje. Para fazer o que foi feito, Murrow e sua equipe trabalharam duro na apuração dos fatos. Além de que cada palavra empregada era mensurada e cuidadosamente empregada. Algo difícil por aqui, onde a corrida na publicação compromete a checagem dos fatos e a credibilidade da profissão. É preciso repensar o jornalismo tal como está.

“No one can terrorize a whole nation, unless we are all his accomplices.” –

Edward R. Murrow.

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