segunda-feira, 13 de setembro de 2010

MONOGRAFIAS, UNIVERSIDADES PRIVADAS E OUTRAS FALÁCIAS.


   O tema em questão é espinhoso para os mais cuidadosos com as susceptibilidades alheias, os mais diplomáticos e  para os mais piedosos. Entretanto, na qualidade de não-membro do Itamaraty e pecador contumaz, venho, instado por amigos que a todo tempo me atormentam com este tema, esclarecer alguma coisa sobre esses malsinados "trabalhos de conclusão de curso superior" e de "póis" -- no dizer carioca --, isto é, pós-graduação que os pacóvios com diploma de nível superior insistem em codinominar, através da preposição latina post, ou pós, os cursos que se seguem uma vez concluída a graduação, em particular o Curso de Especialização.

   Assim, existem duas modalidades de cursos de pós-graduação: lato sensu (em sentido amplo) e strictu sensu (em sentido restrito).

   A primeira refere-se aos cursos de especialização, com carga horária mínima de 360 horas estabelecida pela legislação e que, ao término, exige a apresentação de um trabalho escrito, isto é, dissertativo, a monografia.

A segunda refere-se aos cursos de mestrado e doutorado. Aí a coisa fica bem mais complicada, mormente em se tratando das universidades públicas (federais e estaduais). Nesses casos, os alunos são selecionados de diversas maneiras a critério de cada instituição, observando o que dispõe seu regimento interno a respeito do assunto, preservando-se a autonomia universitária. O que não ocorre em universidades privadas onde o aluno paga para fazer os cursos. Nas públicas ele recebe dinheiro para fazer o mesmo, através de bolsas de estudo custeadas, nas mais das vezes, pelo governo, direta ou indiretamente.

Nos cursos de mestrado e doutorado, o aluno deve frequentar as aulas dos créditos oferecidos (obrigatórios e optativos) e ser aprovado nos mesmos. Em paralelo seguem os trabalhos de pesquisa que redundarão em uma tese ou dissertação -- o nome varia de acordo com a área de concentração, por exemplo: diz-se dissertação para um trabalho de História ou Direito e tese para um trabalho de Medicina ou Química -- que, após apreciada pela coordenação do curso quanto à qualidade e pertinência, é submetida a uma banca examinadora que, em data definida, argui, publicamente, o postulante ao título de mestre ou doutor. Os alunos desses cursos de excelência são facilmente identificáveis...eles nunca dizem que estão fazendo "póis"!

Feitos os prolegômenos necessários, vamos ao tema:  A COMPRA E VENDA  DE MONOGRAFIAS E TESES.

Um colaborador deste humilíssimo blogue, Sr. Maxsuel Siqueira, estudante de Comunicação, precisou escrever sobre o mesmo tema. Consultou-me. O que se lê agora é o que consternou o desavisado estudante.

   Estava ele estarrecido com a decsoberta de um anúncio que não reproduzirei aqui por razões óbvias, de uma "empresa" de produção desses trabalhos. Em todos os níveis. Espantou-lhe mais ainda a despudorada forma como se apresenta o tal grupo de redatores científicos polivalentes, isto é, de forma pública, sem sofrer qualquer tipo de sanção. De plano, devemos ter em mente que o uso desse material para fins de promoção profissional constitui crime de falsidade ideológica (Art. 299 do Código Penal Brasileiro), quer dizer, é fraude. Muito frequentemente lançam mão de trabalhos antigos dos quais a comunidade acadêmica já não tem lembrança, ou, como é patente nas universidades privadas, jamais teve conhecimento. Aí é crime de plágio e, portanto, violação da Lei nº 9.610/98 – a Lei de Direitos Autorais.

   Não obstante todos os aspectos legais e morais, a compra desses trabalhos feitos sob encomenda para atender a um sem número de estudantes, repito, de universidades privadas em sua maioria, é uma prática que já se cristalizou ao longo dos últimos 30 anos, no mínimo.

   E não é por outra razão que eu, e muitos outros (estes mais discretos), torcemos o nariz para "especialistas" e "mestres" oriundos de instituições privadas que nada mais são do que empresas e que, como tal, são comercializadas a todo tempo. Vendidas e compradas, como foi o caso recente da Gama Filho e de outas no Rio de Janeiro. São deficientes em tudo, da biblioteca ao corpo docente. Nada nelas é atualizado -- exceção dos seus shoppings-centers -- e seus egressos engrossam de forma assustadora as filas de inscrições em concursos públicos para cargos de nível médio.

   E também não foi por outra razão que o Ministério da Educação (MEC), nas instituiçoes públicas e fundacionais que estão sob sua égide, hipervalorizou a gratificação de doutorado, propiciando uma verdadeira corrida aos cursos de doutorado fora do Brasil, isto é, na América do Sul (Argentina, Paraguai etc.) cujo ingresso e conclusão são bem mais generosos e se dão em tempo recorde. Até o momento o MEC não está reconhecendo tais cursos como válidos mediante entendimento da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

   Os cursos de pós-graduação strictu sensu das universidades públicas, sobremodo naquelas que se destacam como referências, quer no âmbito nacional, quer no internacional, em diversas áreas, duram, em média, quatro anos, e os projetos são financiados pelas agências do governo, ou a ele diretamente ligadas, denominadas fomentadoreas de pesquisa, tais como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), CAPES, Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) e sua congênere paulista a FAPESP, além de muitas outras espalhadas pelos estados da Federação.

   Estas fomentadoras também concedem bolsas de estudo aos alunos desses cursos como referiu o Prof. Marcelo Hermes da Universidade Federal de Brasília (UnB) em seu blogue, em março de 2010, litteris:

"Pesquisador 1A do CNPq vai ganhar agora 1500 reais! Paga uma passagem a Orlando (Flórida) a cada dois meses. Uau ! Agora sim milhares de pessoas tentarão a carreira de cientista !"

Referia-se o profesor à seguinte notícia divulgada pelo sítio eletrônico universia.com.br que assim noticiou no mesmo mês, litteris:

"O Presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, anunciou ontem, 9 de março, durante reunião da Diretoria Executiva da agência, o reajuste concedido pelo Conselho para o aumento no número de bolsas. O reajuste médio foi de 21%, com destaque para a bolsa de pós-doutorado, que passou de R$ 2.218,56 para R$ 3.200, acréscimo de 44%. As bolsas de Iniciação Científica passaram de 29 para 43 mil, aumento substancial de 14 mil bolsas, ou cerca de 48%. "

   E o que isto tem a ver com o tema? Tudo. E as conclusões que a muitos desagrada são simples e avassaladoras. São elas:

1- O ensino superior privado, pelo menos no Rio de Janeiro, é pífio, vergonhosamante insuficiente e defasado. As bibliotecas e laboratórios dessas quitandas de diplomas secos e molhados, são obsoletos e, portanto, inúteis.

2- O objetivo precípuo dessas empresas é o lucro, o dinheiro, nada têm a ver com a formação e a promoção humanas. São todas processadas em fóruns trabalhistas e devem milhões ao FGTS e ao INSS.

3- Os egressos dessas fábricas de diplomas precisam comprar suas monografias, uma vez que, em quantidade esmagadora, saem como entraram: subletrados, subculturados e analfabetos-funcionais. Nada além de lúmpens ilustrados.

4- Neste caldo fermentante de ignorância e fraude pululam os espertalhões, dentro e fora dessas universidades, a oferecer seus produtos a quem puder/quiser pagar. Não raro com a ajuda governamental do FIES (Finaciamento do Ensino Superior), antigo CREDUC (Crédito Educativo), que cuida de manter esses pobres diabos distantes do ensino superior público reservado aos filhos das elites, e aproveita para ganhar juros em cima de dívidas intermináveis sob a batuta da Caixa Econômica Federal.

5- Os cursos de especialização e mestrado de excelência e bem ministrados passaram a ser os "tapa-buracos", os "fisioterapeutas" desses aleijões acadêmicos que se traduzem em milhares de profissionais graduados e desqualificados para o mercado de trabalho.

6- Daí, não surpreende o MEC hipervalorizar as gratificações de doutorado tal como referi ao cimo, pois restou esta instância como o último reduto de qualificação e de excelência, quando desenvolvido na UFRJ, USP, UFF, UERJ, UFRG, UFMG, UNIRIO, UNICAMP e muitas outras...TODAS PÚBLICAS!

7- A PUC/RJ é uma honrosa exceção neste inferno dantesco.

   E o pior é que tudo isto "é mais velho que andar pra frente"!


   Vida longa a longa manus do Estado Brasileiro!

   Em 14 de setembro de 2010, no saudoso Estado da Guanabara.

   Prof. Dr. Haroldo Nobre Lemos.