segunda-feira, 1 de junho de 2009

Imprestáveis vencedores


IMPRESTÁVEIS VENCEDORES


Nos tempos do Dr. Juscelino Kubtschek já se falava, e muito, da necessidade de uma ampla e profunda reforma política no Brasil. O Presidente, num de seus dias, contemplando as belas montanhas de Diamantina, vaticinou para seus assessores e amigos mais chegados que tal reforma jamais ocorreria, pois “o Congresso é uma casa de vencedores”. Já vão mais de 40 anos e o vaticínio do Dr. Juscelino só fez se confirmar, o que nos leva a uma pergunta que o cidadão-contribuinte-eleitor, no dizer de Hélio Fernandes, faz, ou, ao menos, deveria fazer: para que serve o Congresso Nacional? Numa democracia sustentada pelo Estado de Direito a pergunta deveria soar estarrecedora, mas, ao contrário, vem ganhando corpo e voz através de todos os meios de comunicação que noticiam 3,7 novos casos de corrupção por dia, isto é, mais de 1.000 por ano. No mês passado, no farfalhar do escandalozinho (pois este tem custo desprezível frente aos demais) das passagens aéreas para mães, esposas, filhos, concubinas e correlatos, distribuídas despudoradamente por mais de 300 parlamentares (nem a brava Heloíza Helena do PSOL escapou...mandou o filho para o exterior com suas cotas) levou o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) a discursar sobre a irrelevância do Congresso, deixando irados vários de seus pares. Chegou mesmo a referir: “A reação é tão grande contra o Parlamento, que talvez fosse a hora de fazer um plebiscito para saber se o povo quer ou não que o congresso continue aberto”.

A questão já vem sendo tratada com seriedade, há algum tempo, por diversos órgãos não governamentais. É o caso da organização Transparência Brasil que, sob a batuta do respeitado e brilhante Cláudio Weber Abramo, vem trazendo a público a questão da proporção custo-benefício das casas legislativas brasileiras, nos âmbitos federal, estadual e municipal. Com bases em dados oficiais reunidos pelo projeto Excelências (http://www.excelencias.org.br/) temos que 33% (27 entre 81) dos senadores respondem a processos por crime contra a administração pública. Incluem-se nesse grupo aqueles cujas contas de campanha foram reprovadas pela Justiça Eleitoral ou pelo Tribunal de Contas e ainda os acusados de compra de votos. Na Câmara dos deputados esse percentual atinge 37%, isto é, 192 deputados estão sendo processados por suspeita de desonestidade, vitimando a coisa pública. Nas assembléias estaduais e municipais os dados são de assombrar, chegando, em alguns, casos a mais de 60%. Mas enquanto não são condenados ou inocentados, isto é, enquanto não se dá o “trânsito em julgado”, todos respondem na ocupação dos cargos, mandatos, existindo ainda a figura demoníaca e brasileiríssima do foro privilegiado. Onde é mesmo que se diz que todos são iguais perante a lei?? Ah, lembrei, é na Constituição, mas esqueceram de adendar que uns são mais “iguais” do que outros.

Embora “nem todos os partidos políticos sejam comandados por patifes”, como lembra Cláudio Abramo, é sob suas legendas que eles são acolhidos, sem a menor preocupação com o passado/presente judicial do candidato, sobremodo se o(s) processo(s) ainda não se concluíram (trânsito em julgado). A crescente irrelevância do legislativo retroalimenta esse processo, num ciclo vicioso e viciado.

Senão vejamos quais são as matérias que constituem a maioria dos “projetos” dos parlamentares: criação de datas comemorativas (criação do dia do criador de cabras no RG), inclusão do símbolo do BOPE (um crânio apunhalado fazendo lembrar o símbolo do esquadrão da morte da década de 1970) dentre o patrimômio cultural do RJ (deputado Bolsonaro...o filho), concessão de medalhas, comendas e títulos honoríficos (até o ditador/golpista Hugo Chávez ganhou um no RJ)...e por aí vai! Em 2008, o partido DEM alardeou aos quatro ventos que negaria legenda a quem fosse condenado em segunda instância. Mas não negou. Devem ter esquecido.

Somam-se às matérias inúteis e irrelevantes a aprovação da maioria das medidas propostas (ou impostas?) pelo Poder Executivo. É o caso das medidas provisórias (MPs) que vinham travando a pauta do Congresso Nacional e que passaram a ser votadas em “esforço hercúleo” dos deputados, sem abrir mão da percepção das muitas horas extras, coordenado pelo Presidente da Assembléia, Dr. Michel Temer, que é autor de livros, professor de Direito Constitucional, e acusado pelo finado Antônio Carlos Magalhães de ter cara de mordomo de vampiro.

E nesta Casa e Orates o que sobrou para o Poder Judiciário? Nada mais do que a Divindade, tendo o Ministro Gilmar Mendes como o dono e senhor de todas as coisas, mas só aquelas que interessem à sua família no Mato Grosso e a algum banqueiro condenado pela Justiça da Grã- Bretanha e dos EUA. Sem “trânsito em julgado”. Aliás, no Brasil, a terminologia mais apropriada deveria ser “Tráfego em Julgado” já que está sempre “engarrafado”. E como um deus se comporta, chegando ao cúmulo do absurdo de dizer que o Supremo Tribunal deve legislar onde for preciso. Isto é, assumir de facto et iures, o papel do Legislativo diante de sua inoperância.

Em suma, o Legislativo não legisla nem fiscaliza o Executivo (suas principais atribuições). E o Judiciário zela pelas leis que não são votadas, criando jurisprudências no vácuo do Legislativo e, quase sempre, atendendo ao Executivo. Isso é que é Harmonia entre os Três Poderes!!

E ainda, como analisa Cláudio Abramo em excelente artigo de “Carta Capital”, de 13 de maio, às páginas 30/32, o elemento final dessa sórdida equação é capacidade avassaladora do Executivo de distribuir “cargos de confiança” aos aliados. De modo claro, o governo dispõe de algumas dezenas de milhares de cargos (os que já existiam e os que criou, salvo engano, somam cerca de 70.000) para oferecer. O loteamento da Administração Pública é a moeda de troca com os partidos políticos. Mas aí cabe uma perguntinha básica: para quê homens que se lançam em campanhas para se tornarem representantes da população querem cargos administrativos???
Nunca foi tão imperiosa uma mudança política que envolva fonte de recursos de campanha, sistema de votos (lista aberta ou fechada) etc. Mas, disto trataremos em outra oportunidade.
Paz e saúde a todos.


Prof. Haroldo Lemos.