quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

OS TEMPORAIS E A TRAGÉDIA RE-ANUNCIADA

   No final da década de 1970 as chuvas torrenciais do verão provocaram uma das maiores catástrofes em termos de perdas humanas que o Estado de São Paulo já vivenciou. Foram os desmoronamentos das casas erguidas nos morros de Santos e São Vicente, na verdade, habitações pobres de pessoas de pouco poder aquisitivo. Nesta época, o governo paulista tomou providências no sentido de impedir que tal coisa voltasse a acontecer e, para tanto, determinou que fosse feito um estudo aprofundado das condições geológicas dos terrenos que não suportaram as chuvas. Nasceu, desta forma, a “Carta Geotécnica dos Morros de Santos e São Vicente: condicionantes do meio físico para o planejamento da ocupaçao urbana”, tendo a frente dos pesquisadores o geólogo Prof. Dr. Álvaro Rodrigues dos Santos. Ao que se saiba, tomadas as providências indicadas nesse estudo, tamanha desgraça jamais voltou a se repetir naquela região.

   Não foi por outra razão que o Prof. Álvaro participou de inúmeras entrevistas e debates em rede nacional quando, em Janeiro de 2010, deslizamentos de terra deixaram pelo menos 16 pessoas mortas na região de Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro. Também em Ilha Grande, a situação foi dramática. Corpos foram retirados da pousada Sankai que ficou totalmente soterrada. No continente, outras cinco pessoas morreram no Morro da Carioca.

   Com a experiência que detém sobre o assunto, o Prof. Álvaro, juntamente com o Prof.Dr. Moacyr Duarte, especialista em prevenção de acidentes (COPPE/UFRJ), falaram em uníssono sobre a importância de se ter uma Carta Geotécnica, com força de lei, a regulamentar de forma inflexível o uso do solo em qualquer região do País.

   Lembro-me de um morador de Angra dos Reis ter afirmado a um jornalista que nunca vira tal coisa naquela região nos sessenta anos em que lá vivia. O que não significa absolutamente nada, pois o Tempo Geológico não pode ser contado em anos, nem mesmo em séculos.

  O debate acerca da escala do tempo geológico até que se chegasse a uma concepção de tempo dito profundo, isto é, muito longo, arrastou-se por quase um século, tendo seu início com a formulação da Teoria do Uniformitarismo de James Hutton, em 1792. Hoje, a Geologia e a Engenharia dispõem de métodos de contagem de tempo dos solos que envolvem muita Física e Matemática, além de aspectos da Petrografia, Mineralogia, Estratigrafia, Paleontologia e datação por Radioisótopos.

   Enfim, reunir essa gama de informações permite aos geólogos e engenheiros conhecer as características do terreno e prever como ele irá se comportar em situações extremas, tais como chuvas torrenciais etc. Mais ainda, permite estabelecer se determinados eventos têm (ou não) um caráter cíclico, tais como os deslizamentos. Sabido isto e estabelecida a Carta Geológica, os administradores públicos ficam cientes se nesta ou naquela área podem ser erguidas construções e de que tipo. De certo, há regiões nas quais esses escorregamentos ocorrem, de tempos em tempos – tempo geológico — o que torna impossível erguer-se qualquer edificação.

   O pior é que nada disto é novidade. O Prof. Álvaro fez publicar artigo, em seis de maio de 2010, no Portal do Diário EcoDebate, que assim inicia, in litteris:

As recorrentes tragédias geotécnicas que vêm se abatendo sobre municípios brasileiros tiveram ao menos como saldo positivo, e esperamos irreversível, a consciência geral sobre a importância em se ter em conta as características geológicas e geotécnicas dos terrenos na regulação técnica do uso do solo urbano.

Do ponto de vista das essenciais ações preventivas e de planejamento, vem ficando igualmente consensuado o destacado papel a ser cumprido pela Carta Geotécnica municipal, a ponto de sua elaboração já constituir expressiva demanda de serviços junto a instituições e empresas brasileiras que trabalham na área geotécnica.” (os negritos são meus).

   Parece que as autoridades não tomaram conhecimento, ou, o mais provável, não se interessaram. Vale lembrar que a Carta Geotécnica paulista que mencionei ao início é de 1980 e há inúmeras teses de mestrado e doutorado tendo esse estudo por base, além de trabalhos fundamentais como os de Bittar e col. (1992) e Cerri e col. (1996), todos apresentados no Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia, em 1996 (Associação Brasileira de Geologia de Engenharia, 1996. 2v. il. v. 2 p. 537-548).

   Em suma, há que se consultar os expertos, elaborar as Cartas Geotécnicas de cada município, fazendo-se a mesmas constarem das Leis Orgânicas de cada um. E onde já houver edificação contrariando estes documentos, que se indenizem os proprietários e se proceda à desapropriação e demolição das mesmas.

   O ônus financeiro é ridículo se comparado ao da perda de vidas humanas. Já o ônus político é uma outra história...e é justamente aí que as providências são ignoradas e esquecidas. Mas a natureza não dá a mínima para política.

Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2011.

Prof. Dr. Haroldo Nobre Lemos.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

E AS GREVES VIRÃO...FELIZ 2011, DONA DILMA.


   Os que me conhecem sabem que nunca fui afeito a movimentos políticos que envolvam paralisação de nossas atividades. Greves de professores e médicos jamais contarão com a simpatia, ou melhor, com a adesão popular. Mormente em um País no qual esses dois setores vitais padecem de males perenes, sem solução a curto e médio prazos. Muito ao contrário, as perspectivas são as piores possíveis.




   Se Dona Dilma pudesse, de certo, faria com que o curto reinado de Momo jamais terminasse Brasil afora, ou ao menos, ficasse um pouco parecido com aquele que ocorre na Bahia e dura mais de um mês. Porque após esses quatro dias de folias que se darão em março, começarão a pipocar os movimentos sindicais, a movimentação do parlamento (leia-se oposição) pelo aumento do salário mínimo, os dissídios e tais.



   Um sem número de articulistas, PhDs e expertos de todas as áreas têm sido pródigos em dar conselhos e traçar possíveis diretrizes para Dona Dilma seguir em 2011, com forte ênfase na área econômica.



   Embora muitos divirjam em alguns aspectos, praticamente todos os comentários acabam desaguando no fato de o ex-presidente Lula haver criado uma máquina estatal que sequer cabe no PIB. Os cargos comissionados aumentaram de forma vertiginosa nesses últimos quatro anos. Nada demais até aí, pois isso faz parte do jogo das coalizões para eleger o sucessor. Mas elas não precisam ser necessariamente mantidas uma vez que se tenha obtido a vitória. Parece que Dona Dilma esqueceu esse axioma da política que é sujo mesmo, mas compõe o tabuleiro do xadrez democrático, há séculos, mundo afora. A goela dos aliados é enorme e não se contentaram com os ministérios e secretarias, isto é, os cargos do chamado primeiro escalão. Querem mais, sempre mais, sobremodo a grande prostituta da história política brasileira que atende pela sigla de PMDB.



   E Dona Dilma que sonhava com um segundo escalão altamente técnico, meritocrático, onde na escolha dos nomes prevaleceriam a experiência, o conhecimento e a competência, teve de forma inédita, quase revivendo o “...nunca antes na História deste País...”, que interromper o processo como se questões vitais pudessem esperar passar a quarta-feira de cinzas. Mas foi o que se deu e o que virá depois é do mais absoluto mistério.



Mas algo parece ser inevitável. Um movimento de paralizações e até greves em diversos setores. Naqueles menos aquinhoados com investimentos robustos e nos que ainda padecem do câncer da corrupção. De plano, identificam-se a Educação, a Saúde e a Previdência.



Neste panorama e quase que instantaneamente surgem os arautos da agiotagem oficializada, os banqueiros e os jornalistas que trabalham a seu soldo -- Dona Miriam Leitão é a mais devotada --, apregoando um rigoroso ajuste fiscal, uma ferrenha contenção de gastos públicos que farão vítimas primeiras os professores, os médicos e os aposentados.



E o mercado, esta poderosa entidade metonímica, a braços com o sistema financeiro, ao invés de serem servos da economia real (como ensinava Keynes) cuidarão de seus próprios interesses, tal como fez de forma traiçoeira e covarde a classe política. E que ninguém se iluda achando que o Executivo não gostou desses malsinados 60% de aumento safadamente estendidos a seus membros titulares, prepostos e assessores em turbinadíssimo efeito cascata.



Um festim diabólico a iniciar um ano que promete. Só não sei bem o quê.



Em, 10 de Janeiro de 2011, do saudoso Estado da Guanabara.



Prof. Dr. Haroldo Nobre Lemos.


PS: A tragédia se deu no último dia de votação na Câmara, no apagar das luzes o plenário aprovou o projeto de aumento de 61,83% nos salários dos próprios parlamentares, de 133,96% no valor do vencimento do presidente da República e de 148,63% no salário do vice-presidente e dos ministros de Estado. O projeto iguala em R$ 26.723,13 os salários dos deputados, dos senadores, do presidente da República, do vice e dos ministros do Executivo.