domingo, 18 de janeiro de 2009

O velório do Embrião


O VELÓRIO DO EMBRIÃO

Já estão historicamente monótonas as brigas da Igreja Católica de Roma com os avanços científicos. Foi assim com Galileu que, por sua vez, foi perseguido e condenado à prisão domiciliar, em 1633, pelo Santo Ofício, mais pela arrogância do que pelas idéias. Idéias que, aliás, começaram com Copérnico em 1543. Foi ele que propôs que a Terra era apenas um planeta girando em torno do sol, quando a Igreja sequer tinha alguma posição nesse sentido. Foi aí que Martinho Lutero e sua Reforma Protestante entraram em cena, principalmente com o uso da 'sola scriptura', alegando que a Escritura fala por si e não necessita de interpretações teológicas. Sobre Galileu, assim disse Lutero: “...parece que um novo astrólogo quer provar que a Terra se move através dos céus (...) o tolo quer virar toda a arte da astronomia pelo avesso...”. Muita água rolou por baixo dessa ponte. Galileu, muito abusado, foi calado diversas vezes pois queria derrubar as idéias de Aristóteles que então prevaleciam e escreveu que a Igreja tinha que rever suas interpretações bíblicas. Ele se escudava em seu amigão, Cardeal Barberini que, em 1623, tinha virado Papa. Em 1632 teve que abjurar todas suas idéias, isto é renunciar a todas de forma pública e solene perante o Santo Ofício. Senão virava churrasco.
Em 1982, João Paulo II mandou rever o processo de Galileu e, em 1992, suspendeu a condenação.
Toda essa digressão para mostrar que não fosse o avanço de Lutero, forçando a Igreja a tomar uma atitude, somada a arrogância de Galileu, que adorava chamar todos que discordassem dele de burros, não teriam se passado 359 anos entre a condenação e o perdão. Quer dizer, a Igreja não adotou uma postura tão retrógrada, a princípio, nesse episódio.
Contudo, os avanços de após a Segunda Grande Guerra, isto é, as décadas de 1950 e 1960 começaram a se tornar um problema para os conservadores religiosos católicos e protestantes.O desenvolvimento dos métodos anticoncepcionais somado ao novo papel que a mulher passara a desempenhar no mundo já davam muita dor de cabeça. Mas o Concílio Vaticano II (1962-1965) também amenizou a difícil relação entre ciência e religião.
A partir da década de 1990 a ciência através de um consórcio multinacional finalmente concluiu o chamado Projeto Genoma Humano. Teve até briga entre empresas de pesquisa que queriam patentear a descoberta. Quer dizer, se alguma tivesse conseguido ter-se-ia tornado “proprietária da espécie humana”. Mas isso não durou muito e, nesses nossos dias, as crianças que estudam em boas escolas sabem extrair DNA de quase tudo o que houver na geladeira. É uma aula prática bem comum em escolas estadunidenses de nível secundário.
O avanço célere da informática vem favorecendo tudo e, decerto, tem feito a ciência dar verdadeiros saltos. Tão altos que as teologias morais, os códigos de processos penais etc., mundo afora, têm grande dificuldade em acompanhá-los.
É precisamente o que se dá com o uso das células-tronco embrionárias.
Em 2005, o Congresso dos EUA estava discutindo se o governo federal deveria, ou não, financiar essas pesquisas. Até mesmo muitos deputados republicanos, protestantes e conservadores, manifestaram-se favoravelmente. Foi o caso do deputado republicano Cristopher Shays que declarou: “Galileu e Copérnico estavam corretos: a Terra é mesmo redonda e gira em torno do sol. Eu acredito que o intelecto que nos foi dado por Deus deve ser utilizado para diferenciar o dogmatismo que nos aprisiona e a prática ética da Ciência, que é o que devemos apoiar aqui hoje”. Resultado o Congresso aprovou, o Senado idem, mas George W. Bush usou seu poder de veto. Não bastasse isso, soterrou as políticas de preservação ambiental de Bill Clinton e reduziu drasticamente as verbas federais para a National Science Foundation e também as da NASA. Decisões políticas em qualquer sistema democrático jamais podem ser impregnadas por dogmatismos, sobretudo oportunistas, sejam eles oriundos desta ou daquela denominação religiosa. No Brasil, já possuíamos uma lei bem específica e eticamente rigorosa quanto ao uso de células-tronco embrionárias, desde 2005. A Igreja tentou derrubá-la, “o povo escolhido de Deus”, os judeus, através de seus rabinos manifestaram-se favoráveis ao uso desses embriões que, nos termos usados pelo rabino Henri Sobel “constituem apenas expectativas de vida”.
Cabe aqui esclarecer que as células-tronco embrionárias são obtidas de embriões que já contam
 com cerca de 200 células. Estas células ainda indiferenciadas têm o potencial de se transformar em células musculares, do músculo cardíaco, em neurônios etc. O potencial de terapias que venham a empregar essas células é imenso. Sobremodo no que tange às doenças degenerativas, tais como Mal de Alzheimer, diabetes, Mal de Parkinson, lesões neurológicas, simplesmente repondo células saudáveis no lugar daquelas danificadas ou mortas.
A grande questão levantada, em particular pela Igreja, é que esses embriões são seres humanos (já possuem alma) e utilizá-los em pesquisa seria como assassinar pessoas. A legislação de biossegurança determina, de forma expressa e inequívoca, que apenas os embriões descartados podem ser empregados nessas pesquisas. E, graças a Deus, o Supremo Tribunal Federal fulminou, em caráter definitivo, essa retórica hipócrita. Isso mesmo, retórica absolutamente hipócrita, pois é de se perguntar por que a Igreja de Roma não fez o mesmo barulho, até hoje, contra as clínicas de fertilização? Os embriões da Dona Fátima Bernardes e do Sr. William Bonner, por exemplo, que não foram empregados para gerar seus gêmeos, estão congelados ou já foram para o lixo? Sim, porque são muitos os embriões produzidos e poucos os escolhidos para gerarem fetos. A frase não soa um tanto bíblica? “Muitos serão chamados, mas poucos serão os escolhidos” (Mateus 22:14).
Bem, uma vez que os abastados não querem adotar crianças que não sejam brancas, saudáveis e com menos de nove meses de idade, conforme declararam os senhores Marcelo Antony (ator) e Maurício de Souza (criador da Turma da Mônica) no programa “Altas Horas” de hoje, partem para as clínicas caríssimas e sofisticadíssimas de fertilização. Assim como também fizeram o provecto Carlos Alberto de Nóbrega e sua mulher há alguns anos. O que eles farão com seus embriões não escolhidos e mantidos congelados em nitrogênio líquido a menos 196 graus centígrados? Se forem mesmo “pessoas humanas” devem estar com um baita frio.
Mas o que fazer com eles? Já até surgiram umas senhoras muito piedosas, na Itália, que ofereceram seus úteros para implantação desses pobres enjeitados sobre os quais ninguém fala. Claro que isto não deu em nada, mas vendeu jornal pra xuxú. Tiveram seus 15 minutos de fama (royalties para Andy Warhol).
Mas como disse Drummond, “ E agora, José”? Ou seria o caso de dizer, e agora Bento XVI? Bem, pela lógica eclesiástica tratam-se de “pessoas humanas” (eles adoram essa locução) inviáveis. Sendo assim, minha proposta é que se dê sepultura a todos esses “enjeitados”, com todas as exéquias a que têm direito, de acordo com o que preconiza o ritual romano para os fiéis defuntos.
A propósito, por que será que o clero fala tanto em “pessoa humana”? O dicionário filológico da Fundação Antônio Houaiss, define pessoa assim: “indivíduo considerado por si mesmo; ser humano homem ou mulher”. Será que existe alguma pessoa não humana???


Prof. Dr. Haroldo Nobre Lemos.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A "moral temporária"


Em julho de 2008, assisti a uma parte do programa Roda-Viva competentemente conduzido pela jornalista Lilian Witte Fibe no qual entrevistavam um ex-professor da PUC, cujo nome esqueci, atualmente lecionando em outro lugar lá de São Paulo.


O tema era a grande rede, "the world wide web" (www), quer dizer, a internet, suas vantagens, desvantagens, perigos e promessas. O professor entrevistado, apesar de gago era bem auto-controlado e muito culto. Falou muito bem sobre a grande rede, suas possibilidades etc. Mas, como de hábito, o programa esquentou mesmo foi no final quando se tocou nas possibilidades e necessidades de haver um certo controle na qualidade das informações e na forma como são facilmente tornadas acessíveis (detesto esse neologismo..."disponibilizadas"). Por óbvio, o foco passou a ser a imprensa e as "consequências (já sem o trema) de seus atos". E para não ficar com cara de defensor da volta da censura, o entrevistador passou a falar em moralidade. Assunto espinhoso e que incomoda muita gente. Acabou falando mais do que o entrevistado e descambou para uma tal "Moralidade Temporária". Para ser mais claro, afirmou que a moralidade do jornalista era temporária, uma vez que o mesmo vive sempre da manchete de amanhã, enquanto nós , pobres mortais, permanecemos
o dia inteiro digerindo fatos que foram escritos, de modo geral na madrugada anterior.

Terminado o programa e eu insone, na falta de coisa melhor pra fazer fui pesquisar o tema e percebi que aquilo que o entrevistador barbudo (sou péssimo com nomes) chamava de moralidade temporária era o pano de fundo do chamado "relativismo", ao qual o falecido Papa João Paulo II desferia diversas críticas sempre que podia e sempre lembrando que esta era uma característica dos meios de comunicação que gerava um encurtamento da memória coletiva e, por conseguinte, uma redução gradual da capacidade de refletir de muitos.

Para daí chegar a Jean-Paul Sartre foi um pulo. Pois foi ele que lá pelos idos de 1937 quando lecionava lógica, psicologia e, é claro, moral no departamento de Filosofia do Lycée Pasteur, em Paris, foi interpelado por um de seus auxiliares que acabara de ouvi-lo contar, ao telefone, uma colossal mentira a uma de suas namoradas. Afinal, ele era bem feinho, mas muito bom de papo. O colega queria saber como isto era possível sendo ele professor de moral. De pronto, o grande filósofo do existencialismo respondeu ao indignado colega: "...é difícil, tão difícil que, às vezes há que se ter uma moral temporária."


Sem dúvida, Fernando Henrique Cardoso, homem de muito saber, conhecia esse tipo de "moral", uma vez que, quando era senador, condenou por diversas vezes o uso e abuso das Medidas Provisórias pelo poder executivo. Mais tarde, já presidente da república, afirmou com todos os "efes" e "erres" que sem elas (as MPs) não havia governabilidade, terminando por coroar com toda "temporalidade" possível sua moral ao declarar peremptoriamente, in litteris : "Esqueçam tudo o que escrevi".


Moral Temporária ou o maior exercício de auto-crítica feito por governante??


Eu cá, fico com o velho Sartre!