sábado, 6 de fevereiro de 2010

AS PRAGAS LÉXICAS


“Se os aracnídeos têm épocas e lugares de reprodução, as pragas liguísticas estão libertas das estações do ano e das limitações geográficas. ‘A nível de’ é a importunação do momento, só não desagradável aos levianos novidadeiros que consideram manifestação de progresso a introdução de pragas léxicas e fraseológicas: ‘reunião a nível de ministros’, ‘protesto a nível de operários’, ‘congresso a nível de empresários’. ‘tornou-se conhecida a nível internacional’.

Por que ‘tornou-se conhecida a nível internacional’ em lugar da costumeira construção ‘tornou-se conhecida internacionalmente’?
Por que ‘reunião a nível de ministros’ em vez de ‘reunião ministerial’, ‘ reunião de ministros’? Por que ‘a nível de símios’ em vez de ‘simiescamente’ ou ‘como símios’? (...)

Esconjuramo-nos da nossa sorte de professor de português porque não sabemos elevar-nos a patronhosas e enfadonhas invencionices como a de ‘a nível de’.”


Este excerto foi retirado da obra “Dicionário de Questões Vernáculas”, do Prof. Napoleão Mendes de Almeida, de 1994, e reflete de modo exato o inferno linguístico ao qual estou miseravelmente condenado. E, pelo que parece, sem direito a salvação ou a um estágio prévio no purgatório fonético.

Isto porque as pragas léxicas invadiram e permearam quase tudo. Colégios (mesmo os campeões dos ENEMs da vida), os jornais, revistas, universidades e, por óbvio, o monstro maldito de que Marshall Mc Luhan falava, a televisão, difundem essas pragas com tal velocidade e alcance que parece impossível livrar-se delas. Ou, pior, acabar infestado, mesmo que vez por outra.

Alguns vícios de linguagem estão definitivamente contaminando o coloquial que um dia foi cuidado e agora é, concessa maxima venia, esculhambado. Senão vejamos alguns exemplos:

1- INDEPENDENTE- adjetivo que, como tal, vem depois do substantivo ---a não ser que se opte pelo anglicismo ao fazê-lo de modo contrário --- mas que virou advérbio de modo, isto é, está substituindo a forma correta: INDEPENDENTEMENTE. Daí que se tem: “...o Zé torce pelo flamengo , independente de ser de família de portugueses”; “ a corrupção nunca esteve tão em alta, idependente dos esforços do ministério público”; “ Independente disso, a reunião correu bem”. Em todos os casos citados, o correto seria o emprego da locução adverbial "independentemente".

2- ENTROU DENTRO – essa praga dispensa comentários. A menos que alguém tenha descoberto um jeito de se “entrar fora”. Desta, o Sr. José Eugênio Soares, vulgo Jô Soares, tido e havido como intelectual, faz uso constante.

3- SUBIU EM CIMA – essa segue o mesmo esquema da anterior e recebe o mesmo comentário: é possível “subir em baixo”?

4- TRENO – essa é muito empregada pelos treinadores esportivos e professores de educação física, e também por José Eugênio. Em verdade está a significar TREINO, o substantivo do verbo treinar. “Treno”, é um trenó sem acento. O que pode levar a pensar em “assento”. Coitado do Papai Noel.

5- SÃO MEIO DIA – praga frequentemente empregada pela Sra. Gabriela Hilário, jornalista da rádio BAND-News FM. Na hora seguinte ela persiste no erro e nos fuzila com um “são uma hora e vinte minutos”. E olhe que o slogan da rádio refere que “em vinte minutos, tudo pode mudar”. Muda mesmo?

6- PERTUBAR – em vez de PERTURBAR. Certa vez, um professor ao reclamar do comportamento de um aluno insistia, em conselho de classe, que o mesmo o pertubava muito. Perguntei-lhe como isso seria possível. Afinal, o aluno em questão teria de atravessar o professor por uma tuba, já que per é preposição arcaica que significa através de, e tuba um grande instrumento musical de sopro. Embora o professor fosse magrinho, a missão continuaria sendo impossível. Enfim, o aluno concluiu seu curso e o professor continua lá...“pertubando” todo mundo com sua ignorância.

7- QUALIDADE DE VIDA - que é coisa que todo mundo tem. Menos os que estão mortos, por óbvio. O vocábulo "qualidade" não é sinônimo de "boa qualidade". É apenas um substantivo a exigir adjetivo. Para que se tenha "qualidade de vida", basta que se esteja vivo. Mas pode ser um moribundo (péssima qualidade de vida), um funcionário concursado do senado (boa qualidade de vida) ou um funcionário do senado colocado lá pelo Agaciel Maia (um agaci-boy), a pedido do José Sarney (excelentíssima qualidade de vida). Mas o diabo da linguística e o Zé Sarney já consagraram a locução pelo uso e pelo abuso. Fazer o quê?


E muitos mais são os exemplos. Daria para compor um “dicionário” de pragas léxicas...fica a idéia para os senhores filólogos. É o resultado de uma educação capenga que vem abolindo a boa leitura (LIVROS) e o exercício da REDAÇÃO em favor da grande rede de computadores...a internet. Recente pesquisa internacional mostrou que, apesar da crise econômica, os estadunidenses, britânicos, franceses e alemães, gastam a terça parte de seus ganhos laborais com livros, lendo uma média, calculada por baixo, de cinco a dez livros por ano, reduzindo, inclusive, suas idas aos restaurantes para poderem dedicar-se mais ao deleite de uma boa leitura.

E aqui, nas Terras de Santa Maria, os poucos que dizem apreciar leitura incluem dentre suas preferências os livros de Paulo Coelho. Os comentários acerca de sub-literatura são desnecessários neste ponto.

Mas o facto é que ler e escrever razoavelmente bem tornou-se um diferencial importante na busca de posições no mercado de trabalho. Que os senhores estudantes possam fazer bom uso dessa informação, pois, quem não lê, não fala e não escreve. Pelo menos de forma que seja aproveitável.


Prof. Haroldo Nobre Lemos (que não leciona Língua Portuguesa e escusa-se, desde já, pelos erros), aos sete dias do fevereiro de 2010.