“Se os aracnídeos têm épocas e lugares de reprodução, as pragas liguísticas estão libertas das estações do ano e das limitações geográficas. ‘A nível de’ é a importunação do momento, só não desagradável aos levianos novidadeiros que consideram manifestação de progresso a introdução de pragas léxicas e fraseológicas: ‘reunião a nível de ministros’, ‘protesto a nível de operários’, ‘congresso a nível de empresários’. ‘tornou-se conhecida a nível internacional’.
Por que ‘tornou-se conhecida a nível internacional’ em lugar da costumeira construção ‘tornou-se conhecida internacionalmente’?
Por que ‘reunião a nível de ministros’ em vez de ‘reunião ministerial’, ‘ reunião de ministros’? Por que ‘a nível de símios’ em vez de ‘simiescamente’ ou ‘como símios’? (...)
Esconjuramo-nos da nossa sorte de professor de português porque não sabemos elevar-nos a patronhosas e enfadonhas invencionices como a de ‘a nível de’.”Este excerto foi retirado da obra “
Dicionário de Questões Vernáculas”, do Prof. Napoleão Mendes de Almeida, de 1994, e reflete de modo exato o inferno linguístico ao qual estou miseravelmente condenado. E, pelo que parece, sem direito a salvação ou a um estágio prévio no purgatório fonético.
Isto porque as pragas léxicas invadiram e permearam quase tudo. Colégios (mesmo os campeões dos ENEMs da vida), os jornais, revistas, universidades e, por óbvio, o monstro maldito de que Marshall Mc Luhan falava, a televisão, difundem essas pragas com tal velocidade e alcance que parece impossível livrar-se delas. Ou, pior, acabar infestado, mesmo que vez por outra.
Alguns vícios de linguagem estão definitivamente contaminando o coloquial que um dia foi cuidado e agora é,
concessa maxima venia, esculhambado. Senão vejamos alguns exemplos:
1-
INDEPENDENTE- adjetivo que, como tal, vem depois do substantivo ---a não ser que se opte pelo anglicismo ao fazê-lo de modo contrário --- mas que virou advérbio de modo, isto é, está substituindo a forma correta:
INDEPENDENTEMENTE. Daí que se tem: “...
o Zé torce pelo flamengo , independente de ser de família de portugueses”; “
a corrupção nunca esteve tão em alta, idependente dos esforços do ministério público”; “
Independente disso, a reunião correu bem”.
Em todos os casos citados, o correto seria o emprego da locução adverbial "
independentemente".
2-
ENTROU DENTRO – essa praga dispensa comentários. A menos que alguém tenha descoberto um jeito de se “
entrar fora”. Desta, o Sr. José Eugênio Soares, vulgo
Jô Soares, tido e havido como intelectual, faz uso constante.
3-
SUBIU EM CIMA – essa segue o mesmo esquema da anterior e recebe o mesmo comentário: é possível “
subir em baixo”?
4-
TRENO – essa é muito empregada pelos treinadores esportivos e professores de educação física, e também por José Eugênio. Em verdade está a significar
TREINO, o substantivo do verbo treinar.
“Treno”, é um trenó sem acento. O que pode levar a pensar em “assento”. Coitado do Papai Noel.
5-
SÃO MEIO DIA – praga frequentemente empregada pela
Sra. Gabriela Hilário, jornalista da rádio BAND-News FM. Na hora seguinte ela persiste no erro e nos fuzila com um “
são uma hora e vinte minutos”. E olhe que o
slogan da rádio refere que “em vinte minutos, tudo pode mudar”. Muda mesmo?
6-
PERTUBAR – em vez de
PERTURBAR. Certa vez, um professor ao reclamar do comportamento de um aluno insistia, em conselho de classe, que o mesmo o
pertubava muito. Perguntei-lhe como isso seria possível. Afinal, o aluno em questão teria de atravessar o professor por uma tuba, já que
per é preposição arcaica que significa
através de, e tuba um grande instrumento musical de sopro. Embora o professor fosse magrinho, a missão continuaria sendo impossível. Enfim, o aluno concluiu seu curso e o professor continua lá...“
pertubando” todo mundo com sua ignorância.
7-
QUALIDADE DE VIDA - que é coisa que todo mundo tem. Menos os que estão mortos, por óbvio.
O vocábulo "qualidade" não é sinônimo de "boa qualidade". É apenas um substantivo a exigir adjetivo. Para que se tenha "
qualidade de vida", basta que se esteja vivo. Mas pode ser um moribundo (
péssima qualidade de vida), um funcionário concursado do senado (
boa qualidade de vida) ou um funcionário do senado colocado lá pelo Agaciel Maia (um
agaci-boy), a pedido do José Sarney (
excelentíssima qualidade de vida). Mas o diabo da linguística e o Zé Sarney já consagraram a locução pelo uso e pelo abuso. Fazer o quê?
E muitos mais são os exemplos. Daria para compor um “dicionário” de pragas léxicas...fica a idéia para os senhores filólogos. É o resultado de uma educação capenga que vem abolindo a boa leitura (LIVROS) e
o exercício da REDAÇÃO em favor da grande rede de computadores...a
internet. Recente pesquisa internacional mostrou que, apesar da crise econômica, os estadunidenses, britânicos, franceses e alemães, gastam a terça parte de seus ganhos laborais com livros, lendo uma média, calculada por baixo, de cinco a dez livros por ano, reduzindo, inclusive, suas idas aos restaurantes para poderem dedicar-se mais ao deleite de uma boa leitura.
E aqui, nas Terras de Santa Maria, os poucos que dizem apreciar leitura incluem dentre suas preferências os livros de Paulo Coelho. Os comentários acerca de sub-literatura são desnecessários neste ponto.
Mas o facto é que ler e escrever razoavelmente bem tornou-se um diferencial importante na busca de posições no mercado de trabalho. Que os senhores estudantes possam fazer bom uso dessa informação, pois, quem não lê, não fala e não escreve. Pelo menos de forma que seja aproveitável.
Prof. Haroldo Nobre Lemos (que não leciona Língua Portuguesa e escusa-se, desde já, pelos erros), aos sete dias do fevereiro de 2010.