segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O Rio de Janeiro e a Violência


*Originalmente publicado em Papo Livre

Olá, pessoal!

Uma amiga virtual chamada Rose me perguntou pelo facebook se a violência no Rio de Janeiro é tão assustadora quanto como é retratada pelos meios de comunicação em geral. Ela é brasileira, mas vive em Londres há um certo tempo. Para não responder com um simples (indelicado, preguiçoso e irresponsável) "sim" ou "não", aproveitei o ensejo para discorrer sobre o problema e transformar minha resposta numa postagem que poderá servir para outros que tiverem a mesma dúvida e que desejarem conhecer melhor a cidade, sob o ponto de vista de alguém que vive aqui. Reproduzo, portanto, minha resposta.


Rose pergunta: - Oi, Maxsuel. Estou indo para o Rio com meu marido e minha mãe em Dezembro e estou apavorada com as notícias de violência. Você tem alguma dica? Estou indo com ônibus de excursão e durante o dia, mas com certeza vamos visitar o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor... É perigoso? Tem muito ladrão esperando os turistas?????? rsrsrs Qual é a sua opinião?

Resposta - Oi, Rose! As minhas dicas servem para qualquer grande cidade brasileira (São Paulo, Curitiba, Recife, Fortaleza, Salvador...), especialmente Rio de Janeiro. Uma preocupação maior se faz necessária devido à concentração do poder paralelo, o narcotráfico/crime organizado, fruto, entre outras coisas, da desigualdade social que impera por aqui. A cidade é rica em contrastes, apresenta grandes disparidades entre ricos e pobres. Enquanto muitos bairros ostentam um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) correspondente ao de países nórdicos, observa-se níveis bem inferiores à média municipal, como é o caso do Complexo do Alemão ou da Rocinha. Dessa maneira a elite brasileira convive, não harmoniosamente, com pessoas de hipossuficiência financeira. Familiar, não? No Rio, a visibilidade é maior e sabemos porquê. No entanto, sobre mais do que qualquer outra coisa, precisamos refletir que violentas são as pessoas. Estamos falando de uma guerra civil. Não são extraterrestres que nos causam espanto, medo, aflição. Mas, outros e outras, iguais a nós. São pessoas que respondem com força ao descaso, à discriminação, à exclusão e à invisibilidade social como foram e são tratados (não esqueça o histórico da cidade: abolição da escravatura, o processo de urbanização, Pereira Passos, superpopulação, crescimento desordenado, omissão política ao combate da criminalização nos anos 1980, 1990 etc). Para fins de ilustração, podemos falar sobre o Rio como uma cidade composta por três grandes blocos distintos: Zona Sul (elitizado), Zona Oeste (em expansão [Barra da Tijuca] e mediano [Jacarepaguá]) e a Zona Norte (bairros de Classe Média, de comércio popular, alguns puramente residenciais, outros industriais e ainda outros com população de baixa renda). Devido à topografia, favelas se desenvolveram sobre os morros por toda a cidade - pontos estratégicos para os traficantes, já que têm uma visão privilegiada de cima. Moro em Jacarepaguá desde 2007. É um bairro bem tranquilo. Barra da Tijuca tem menor índice de assaltos, apesar de ser um bairro rico e em crescimento. É mais seguro por estar distante de favelas, ou comunidades - como chamamos "eufemisticamente". O way of life na Barra é diferente. Não é o tradicional, histórico e cultural pelo qual o Rio de Janeiro é mundialmente conhecido. Trata-se de um bairro jovem. Segundo alguns, lembra algumas cidades praianas dos Estados Unidos, como alguns lugares da Califórnia e mesmo Miami Beach. Isso devido aos espaços enormes, complexos habitacionais e comerciais, autoestradas, tudo cercado por grandes estacionamentos e interligados por largas avenidas. É um bairro feito para quem possui carro. A geografia do lugar não permite que as ruas sejam exploradas por "caminhantes" e, por isso, as pessoas convivem mais fechadas nos centros residenciais e têm os shoppings como principal ponto de encontro. O modo de vestir-se também muda, apesar de estar bem próximo ao bairro São Conrado, que faz parte da Zona Sul. Em se tratando da parte mais carioca, desenvolvida e sofisticada, a Zona Sul por inteira sofre mais. Isso, primeiramente, por causa da visibilidade e ao fato de ter como principal característica a vida na rua. São bairros onde a vida acontece nas esquinas, nos barzinhos... onde as pessoas caminham livremente. Copacabana possui o maior índice de pessoas que compõem a "terceira idade". Quando quero conhecer lugares com boa qualidade de vida, pesquiso por aquele onde vive a maior população de idosos. Pois é! Lá eles se sentem bem. É comum vê-los em barzinhos, caminhando pela praia, inclusive à noite. É onde há uma atmosfera mais humanística, quase provinciana. Onde a padaria e o mercadinho ficam próximos. Há um sistema de metrô moderno que faz conexão entre bairros, e seria, certamente, a melhor qualidade de vida brasileira (quiçá mundial!) não fosse a violência urbana. A que não atribuo somente aos marginais das facções criminosas, mas, primeiramente e crucialmente, à influência do tráfico internacional (ninguém é ingênuo o suficiente para não crer que o crime brasileiro é "fichinha" tendo em vista o poder que vem de fora, principalmente da Europa [Itália, com destaque], Ásia, países latinos [destaque para Colômbia e Bolívia] e da América do Norte [states]. Por que você acha que é tão difícil erradicar o problema? E, depois, à incompetência da administração pública. Você é brasileira e sabe bem como nossos políticos (não) trabalham. Procura, portanto, não chamar muita atenção. Parece simples, não é? Mas não! Vejo diariamente muita gente "dando mole". E "dar mole" diz respeito a todo e qualquer comportamento desatento (especialistas apontam que distração é a causa primeira da ocorrência de assaltos), andar sozinho à noite (o que é relativo, porque muita gente anda à noite, mas... você entende), chamar atenção com celulares modernos, ouvindo música pelo celular, MP3, MP4..., filmadoras, laptops, mochilas, bolsas etc. Morador do Rio há três anos, levo uma vida de turista sempre que posso. Exploro belezas e diversas possibilidades de pontos de lazer e cultura que a cidade oferece. Jogo futebol na madrugada com amigos e volto para casa caminhando. Entre tantas atividades que fazemos assim. Penso que a imprensa é um desserviço quando causa pânico e expõe um fato (derrubada do helicóptero da PM) sem contextualizar o problema, não havendo preocupação com a transmissão de conhecimento. Agindo assim, (des)informa e confunde. É como falar daquele garoto brasileiro que foi morto pela polícia londrina e passar a ideia de que eles são xenófobos ao ponto de que qualquer brasileiro será morto caso vá à Londres. Você entende o que quero dizer? Acho bom para pressionar autoridades, mas, cá pra nós, será que eles se importam? Vou aproveitar para pesquisar em que bairros moram o prefeito Eduardo Paes e o governador Sérgio Cabral. Certamente na Zona Sul ou Barra da Tijuca. O que você está fazendo é uma ótima ideia! Converse com moradores e leia, confronte diferentes opiniões, pense, questione, aprenda... E lembre-se de considerar particularidades. Sou jovem, homem, saudável... Então, de certa forma, estou menos vulnerável do que uma garotinha, frágil e indefesa. Além do mais, você sabe que os lugares mais apaixonantes e atrativos são favoritos de gente querendo "se dar bem", ser "esperto" e "passar a perna". E aí cito dois ou três como o Central Park, em NY; O Parque Ibirapuera, em São Paulo; A Torre Eiffel e o Champs Élysées, em Paris. A minha grande dica é "VEJA VOCÊ MESMO!". Venha com boas expectativas. Venha para curtir! Eu, por exemplo, tenho uma ENORME curiosidade de conhecer o Oriente Médio, apesar de todo o TERROR que há por lá. Não viaje apreensiva. Se pretende visitar algum lugar é porque algo atrai você a esse lugar. Até mesmo a violência e a pobreza. Você sabia que há turistas que pagam agências para levá-los às favelas, principalmente à da Rocinha? Sorte é outro ponto! Às vezes ocorre de você estar no lugar errado, na hora errada. Logo, duas pessoas podem sair do Rio com pontos de vista diferentes devido às experiências pessoais. Sorte é preciso!Sempre! Em qualquer lugar. E mais, todos temos percepção. É fácil saber, num primeiro momento, o nível de ameaça que alguém oferece. Conheço poucos lugares, mas acredito que uma metrópole onde se possa viver pacificamente, com tranquilidade e as portas de casa abertas é algo ainda utópico. É aquela coisa: confie em Deus, mas tranque a porta do carro! Depois de viver no Rio você está pronto para o mundo. Se tiver mais dúvidas, fique a vontade para perguntar. Não sei onde ficará hospedada, mas indico os bairros onde há linha de metrô. São os melhores!

Um grande abraço do Rio de Janeiro e uma boa viagem.
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As Olimpíadas estão vindo aí... haverá vultosos investimentos por toda a cidade. Como amante deste lugar, desejo mesmo que algo de bom seja feito para o dia-a-dia de quem vive por aqui. Não somente medidas efêmeras para grandes eventos (o que é tradição). Espero que em vez de acordo com os traficantes e "chefões" das facções criminosas, haja, honestamente, uma política social engajada. O Rio precisa disso. O Brasil precisa. O mundo inteiro está cheio de problemas. Que legado haverá para o futuro?

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