sexta-feira, 14 de maio de 2010

CONHECE-TE A TI MESMO...SEXUALMENTE!


Sempre que a mídia impressa arvora-se em discorrer sobre sexualidade, ou, se preferirem, comportamento sexual, lança mão de alguns trabalhos clássicos e pesquisas feitas alhures, isto é, nos E.U.A. e em países europeus. E daí tiram conclusões, ou ainda, induzem seus leitores a concluir isto ou aquilo, a partir de realidades que nada têm a ver com o Brasil, por razões históricas, geográficas, socioeconômicas, culturais etc.


A prestigiosa revista "Carta Capital", na edição de nº 594, de 05 de maio do corrente ano, não fugiu a esta regra com a matéria intitulada "Revolução Bem-Comportada".


A matéria assinada por Cynara Menezes, apesar de muito bem redigida, comete esse pecado que cada vez mais se agiganta dentre aqueles que pretendem abordar o tema "sexo". Refiro-me ao desconhecimento da sexualidade brasileira.


Apesar de todas as referências citadas quanto ao "pai" da pílula anticoncepcional, Dr. John Rock que, na década de 1960, possibilitou o sexo sem procriação e, por conseguinte, o sexo entre solteiros (para horror do puritanismo norteamericano e da Igreja), a interessante correlação das idéias e trabalhos de Helen Gurley Brown, autora de Sex and the Young Girl (literalmente, Sexo e a Garota Jovem) que vendeu dois milhões de cópias em uma semana, com os fatos atuais (o seriado de TV Sex and the City, por exemplo), os dados e informações remetem, invariavelmente, às constatações do biólogo (entomologista = especialista em insetos) Alfred Kinsey, PhD, publicadas em seus Relatórios (de 1948, sobre a sexualidade masculina e de 1953, sobre sexualidade feminina, ambos republicados em 1998) e aquelas apresentadas pela Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, em 2006, nos Estados Unidos.


É notório o desconhecimento e a falta de interesse daqueles que não militam na área da Saúde e/ou Educação, e a imprensa em geral, sobre a sexualidade brasileira, de sorte que a mídia está sempre a citar fontes estadunidenses e européias como se fosse possível estender-se tais observações ao comportamento sexual do brasileiro, ou pior, às sociedades em geral.


"Os pesquisadores garantem que, comparando o comportamento sexual de europeus e americanos, estes últimos condenam mais o sexo e são menos informados. Paradoxalmente, são mais ativos e têm maior número de parceiros (as)." É o que informa a Dra. Carmita Abdo, PhD, em sua excelente obra "Descobrimento Sexual do Brasil: para curiosos e estudiosos", de 2004, na qual a autora -- psiquiatra e coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo -- apresenta de modo simples, pedagógico e ricamente ilustrado com gráficos e histogramas de fácil compreensão para os não iniciados nas ciências biomédicas, uma detalhadíssima "ressonância magnética", muito mais que um simples raio-X, da sexualidade do povo brasileiro.


Para atingir tal desiderato, a autora e sua equipe formularam um questionário de grande amplitude (são 87 itens e muito subitens) que permitiu estabelecer o panorama citado ao cimo, que, por seu turno, envolve aspectos sociológicos, psicológicos e clínicos de 7.103 brasileiros e brasileiras das cinco regiões do Brasil presentes em parques, shoppings, praias etc. É um trabalho seriíssimo e de caráter consultivo para aqueles que pretendem, em algum momento, abordar o tema "sexo", tal como é praticado no Brasil e seus desdobramentos. Isto fica cristalino quando a autora refere: "E entre nós, qual é o quadro da orientação sexual? Quantos são os hetero, os homo e os bissexuais?", deixando claro que a discussão que envolve orientação sexual versus opção sexual é letra morta para os estudiosos e apanágio dos ignorantes.


Não existe, é sabido e confirmado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há mais de uma década, "opção" quando se trata de sexualidade. Como se ela fosse um ato de escolha unilateral que o ser humano faz em dado momento de sua existência. A sexualidade é, isto sim, um fenômeno de natureza biopsicossocial, quer dizer, sua composição é de natureza multifatorial e envolve aspectos biológicos (talvez genéticos), psicológicos e culturais. Para a OMS, as sexualidades (homo, hetero ou bi) são expressões naturais do indivíduo e o sexo, desde que praticado com responsabilidade, sem pôr em risco a vida de quem quer que seja, não gerando gravidez indesejável e/ou constrangimento, nem sofrimento de qualquer natureza aos praticantes ou à sociedade, é absolutamente aceitável posto que é parte da fisiologia e do psiquismo naturais do homo sapiens...desde que ele surgiu!


Nada diferente do que, recentemente, verbalizou o Sr. Ministro da Saúde, Dr. José Gomes Temporão, preconizando: "...sejam felizes, dancem e façam sexo!". O estardalhaço pseudomoralista que a grande imprensa tentou fazer com tal assertiva, de caráter nitidamente político, não prosperou. Mais um sintoma da tentativa da mídia de estabelecer aqui, na Terra Brasilis, uma "moralidade" a la Tio Sam, com "base" em seu desconhecimento da sexualidade brasileira.


A pesquisa da Profª. Dra. Carmita Abdo e seus colaboradores esclarece ainda aspectos sociológicos ao relacionar sexualidade com: o uso e o abuso de bebida alcoólica, cansaço físico, estresse, masturbação, o sexo na adolescência e muitos outros fatores que, usualmente, perpassam as vidas de todos, nem sempre de modo agradável, sequer construtivo. Segundo o Dr. Sigmund Freud, daí deriva um montão de traumas e, por outro lado, como o próprio doutor referiu: "há ocasiões em que um charuto...é apenas um charuto."


Digressões a parte, o próprio título desta obra fundamental, já indica seu escopo, isto é, o "Conhecimento Sexual...". Na verdade, permite tanto ao estudioso quanto ao curioso, aprender a se auto-conhecer sexualmente, sem teorizações filosóficas, nem tergiversações escolásticas inúteis (muito ao gosto de algumas religiões) que, constantemente, têm caráter doutrinário, repressor e frustrante. É pura ciência do mais alto nível !


Outro detalhe do texto são os destaques que a autora faz dos aspectos mais importantes de cada capítulo, circunscrevendo-os em cor laranja...como dicas importantes que não devem ser esquecidas. Por exemplo:


"...ignorar a atividade sexual dos adolescentes causa mais problemas do que os resolve."


"O uso de preservativo em todas as relações sexuais é praticado por menos de 30% das mulheres e pouco mais que isso pelos homens."


"Homens e mulheres já acometidos por DST e/ou AIDS que nos revelaram esse fato somam 32,8% dos brasileiros. Um número preocupante."


"O principal motivo alegado para não usar camisinha é o fato de o(a) parceiro(a) ser fixo(a). Ou pensa-se que é fixo(a)..."


"...somando-se os números masculinos e femininos, de cada dez brasileiros, três não chegam ao clímax."


"Não há acaso na vida intra-psíquica, assim como não há cartilha para o sexo."


Encerro esta postagem com as palavras da autora que revigoram tudo o que foi dito antes e nos convidam a um estudo deleitoso de algo tão importante nas vidas de mulheres e homens, jovens ou não, seja lá qual for sua orientação sexual, seu credo, seu time do coração ou seu partido político.


"Mas para que serviu, enfim, esse descobrimento?

Para podermos trabalhar com nossos próprios dados de realidade e, desse modo, gerar alternativas que contemplem, de fato, as exigências de saúde e educação de nossa gente; para as futuras gerações conhecerem nossa história sexual e dela se apropriarem como meio de avanço e amadurecimento."


Felicidades a todos...e faço minhas as palavras do Ministro Temporão...com a devida vênia!


Rio de Janeiro, 14 de maio de 2010.


Prof. Dr. Haroldo Nobre Lemos.

2 comentários:

Unknown disse...

olá, doutor! sou cynara menezes, da carta capital. gostaria de dizer que, sim, procurei dados recentes sobre a sexualidade brasileira em várias fontes, inclusive no ministério da saúde. como disse: recentes. infelizmente, o estudo de carmita abdo é de 2004! em imprensa, trabalhamos com a novidade, entende?
um abraço,
cynara.

Zé Marx disse...

Parabéns, professor.
Uso esse texto como referência a amigos. Talvez seja o melhor que já compos; de certo, um dos.

Um abraço do,
Maxsuel, seu aluno de sorte.