domingo, 9 de maio de 2010

Um papo livre sobre Comunicação


*Originalmente publicado em Papo Livre

A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) que este País já viu foi realizada no final do ano passado e até agora pouco se tem falado sobre seus principais resultados, o que, aliás, em nada nos surpreende uma vez que o boicote começou de muito antes, quando ainda se discutia a possibilidade de se realizar o evento.

Também, pudera... Falar de Comunicação Social no Brasil não é algo divertido para os grandes grupos de mídia que deitam e rolam, em especial, nos serviços de radiodifusão e telecomunicações. O "controle" do setor, neste caso, como muitos sabem, significa dominação unilateral (de um para todos), hegemonia que nos agride, que nos limita e que sobre nós dispara suas ideologias dominantes e reprodutoras de um sistema que propaga contra-valores e cultua o capital acima do homem.

Ideologias! O perigo das ideias... “Quem fala besteira deveria ser preso. As pessoas subestimam o poder das ideias”, já disse uma professora. O controle por meio das ideias é tão sutil que muitas coisas passam despercebidas por nós. Um exemplo bastante simples: você conhece algum programa que presta um desserviço maior do que o Big Brother? Será que a bobagem deve ter tamanha importância em nossas vidas?

Sim, pois ao ver um adulto reverenciando o programa, uma criança observa que a busca pela fama justifica qualquer humilhação, como se pela fama tudo fosse sacrificável. Um belo show de “maucaratisse”, onde todos os valores – como o mérito pelo bom trabalho, a amizade, a honestidade – são desprezados. Se em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, ricas em eventos culturais e opções de entretenimento, programas como este fazem sucesso, imaginem como se dá nas cidades menores, com poucos recursos, onde a TV, a programação da emissora, é tudo o que as pessoas têm. É a partir dali que elas aprendem O QUÊ e COMO enxergar a realidade em que vivem. O que é aceito e o que não; qual música é legal e qual não; como se vestir, como falar, como agir e, mais grave até, como SER.

É aí que entra o papel da Confecom. A Conferência é a maneira pela qual as entidades civis organizadas se fazem ouvir. A oportunidade de revisitar um conceito infelizmente tão vago como cidadania. E, para ressoar os efeitos da 1ª Conferência Nacional, o Instituto Casa Grande e o jornal Algo a Dizer convidaram, sob mediação do senador Saturnino Braga, o jornalista e pesquisador Nilo Sérgio Gomes, Jesus Chediak e o professor Marcos Dantas, uma das maiores autoridades em Comunicação no país.

Saturnino, antigo militante do desenvolvimento nacional, deu o pontapé de abertura e contribuiu com sua própria história política na luta contra o poderio da rede Globo. Ele contou sobre quando presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o nascimento inconstitucional da Globo com a entrada de capital estrangeiro da estadunidense Time Life. Hoje, o nome Saturnino é evitado em toda a cadeia de veículos de comunicação da emissora.

Marcos Dantas

“O melhor resultado da Confecom foi a realização da Confecom”

O professor Marcos Dantas foi o primeiro a falar. Ele foi um dos que esteve na Confecom e sua vocação na área de Comunicação Social é bastante conhecida. Marcos iniciou falando do quão importante é o papel da Comunicação em nossas vidas e do paradoxo que mora no fato de que poucos se dão conta disso. Num país que se diz democrático o povo deve exercer a soberania, ainda mais num governo tão popular como tem sido o governo Lula.

Dantas falou dos media em sua concepção industrial, produzindo conteúdo (leia-se ideologias) que beneficia tão somente eles próprios, os donos dos meios. “A gente se vê por aqui”, isso não é falso – a sentença chave da midiatização social com o agravante de que o Brasil é um vazio legal para os latifundiários da mídia, sem regulamentação que traduza a legislação necessária para se manter as coisas funcionando bem.

Ele encerrou destacando que a Abert (Rede Globo) e a Federação Nacional dos Jornais (O Globo, Folha de São Paulo...) apostaram no fracasso da conferência com a arrogância de acreditar que o evento não teria relevância sem a participação deles. Segundo o professor, não houve exatamente uma rejeição por parte de todo o empresariado, houve um racha, e estes foram surpreendidos pelas mais de 30 mil pessoas que estiveram em Brasília falando por todo nós.


Nilo Sérgio Gomes

“A Confecom questionou o Jornalismo que se faz hoje”

Nilo começou seu relato contando aquilo que mais lhe pegou de surpresa na conferência: por um momento ele se viu diante do que é de fato o Brasil. O Brasil que não está na TV. O Brasil questionador, indignado com o lixo que chega. O Brasil plural: negros, índios, quilombolas, caipiras, sem-terras, militâncias políticas, grupos ligados à igreja, grupos homoafetivos, mulheres e estudantes debatendo comunicação com um alto grau de crítica. Os índios, por exemplo, perguntaram cara-a-cara por que só aparecem na TV quando protagonizam tragédias ou como um bicho exótico.

Quando Nilo falou sobre a presença destes grupos me fez lembrar de imediato o artigo de Marc Augé no livro Sociedade Midiatizada (Mauad, 2006, Dênis de Moraes [org.], 100p) quando observa a explosão de identidades que se manifestam no gosto pela cultura local, na retomada da importância dos idiomas regionais, na invenção de uma nova forma de nacionalismo, ou mesmo quando a periferia se faz ouvir – e tudo isso num momento em que só se fala em globalização. “Este é o paradoxo do mundo contemporâneo, ao mesmo tempo unificado e dividido, uniformizado e diverso, ao mesmo tempo desencantado e reencantado”, conclui.

Nilo ainda chamou a Folha de São Paulo de velho panfleto mal escrito e falou sobre a Conferência, enquanto oportunidade de conversa, de um modo que me lembrou a concepção de Márcia Tiburi sobre pensar em conjunto: “muito mais complicado do que decorar 'A Crítica da Razão Pura' e 'O Mundo Como Vontade e Representação', do Shopenhauer, é a gente conseguir conversar de verdade, enfrentando nossas ignorânicas e nossos supostos saberes".

Por último, falou severamente sobre a importância de acabar com a repressão às rádios comunitárias, defendendo a ideia de que “piratas” são os que se apropriam do espectro eletromagnético para defender interesses privados. E que o governo Lula é a melhor oportunidade para se fazer isso. “A Confecom deu um passo a frente na luta de classes na Comunicação”, encerrou.

Jesus Chediak

“Por que a TV Brasil tá passando programa da BBC?”


Chediak foi o último palestrante e começou bem citando afirmação categórica de Cícero Sandroni: “no Brasil não existe liberdade de imprensa, mas sim, de empresa”. E completou: “vivemos a ditadura da mídia” - Que outra forma melhor para representar este cenário?

Agora, uma dúvida: ditadura da mídia ou do empresariado? Sim, porque segundo papai Roberto Marinho “sagrado em jornal, meu filho, só existe o anunciante”. Há uma outra que gosto ainda mais, acho que do Paulo Autran: "teatro é a arte do ator; cinema é arte do diretor e novela é a arte do patrocinador".


Pois é, os grandes patrocinadores palpitam sobre o que deve ou não ir ao ar, afinal a emissora é o canal por onde seu produto está sendo divulgado e nenhuma companhia quer associá-lo a algo que seja ruim para os negócios. Do outro lado, para se ter uma ideia, um único comercial com 30 segundos de duração no horário do Jornal Nacional custa a bagatela de 300 mil reais. É muito dinheiro que rola por trás de tudo. Logo os grupos de mídia também se tornaram grandes corporações, parte do poderoso empresariado. E grandes grupos de mercado - mesmo os não ligados à área de Comunicação - fazem fusões bilionárias com grupos de mídia diariamente mundo afora.

Preciso recorrer novamente ao livro Sociedade Midiatizada para citar o professor e ensaísta Douglas Kellner (125p): “até 2002, dez corporações multinacionais gigantes, incluindo AOL Time Warner, Disney-ABC, General Electric-NBC, Viacom-CBS, News Corporation, Vivendi, Sony, Bertelsmann, AT&T e Liberty Media, controlavam a maior parte da produção de informação e entretenimento em todo o mundo. O resultado é menos competição e diversidade, mais controle corporativo dos jornais e do jornalismo, da televisão, rádio, filmes e outras mídias”.

Por fim, Chediak criticou a atitude da TV Brasil em passar programas da BBC e lamentou a mercantilização escancarada de serviços como educação e saúde. “O poder econômico transformou tudo em mercadoria”.


Os eixos principais da Confecom foram Conteúdo, Infraestrutura e Direito. Foram aprovadas teses de fomento à produção audiovisual, à universalização da banda larga, desagregação de rede, entre tantas outras positivas. De um total de 1.600 teses, mais de 600 foram aprovadas.

E o que ganhamos com isso? Um conjuto de propostas que pode se tornar um marco político das Comunicações. Agora, candidatos ao Legislativo poderão criar projetos de lei com base (e respaldo) nas teses aprovadas, que traduzem os desejos de todos nós. Por falar nisso, alguns municípios já possuem Conselhos de Comunicação que neste momento estão criando e estudando propostas de lei com base nestas questões.

Quando questionado sobre as três principais teses aprovadas, Marcos Dantas destacou a formação de Conselhos de Comunicação (nos âmbitos municipal, estadual e nacional), o fim da repressão às rádios comunitárias e a proibição de publicidade para menores de 12 anos.

E o debate chegou ao fim com a sugestão de uma participante de que haja outros encontros para que possamos repercutir o que foi dito, conversar sobre novos pontos e multiplicar as questões principais. Também comentou da importância de todos utilizarem as redes sociais das quais participam como meios alternativos de divulgação. Este post, por exemplo, parte da minha intenção de fazer circular a informação e convidar a discussões. Afinal, como muito bem disse Nilo Sérgio: “debates como este mantém viva a memória da Confecom”.
A gente se vê por aqui - na rede!

Registro Fotográfico: Jornal Algo a Dizer.
 

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