terça-feira, 27 de julho de 2010

MAGISTÉRIO NÃO É SACERDÓCIO !


O textos a seguir referem-se a correspondência eletrônica havida entre mim e o Prof. Alex Von Sidow, ensejada por texto revelador de autoria da Sra. Ana d'Angelo. São eles:


BOA ESCOLA SÓ SE FAZ COM BONS PROFESORES. ELES DEVERIAM SER NATA DO FUNCIONALISMO, MAS RECEBEM COMO "BARNABÉS".
A que ponto chegou o ensino público no Brasil, nos últimos lugares do ENEM. É fato que vem agonizando há tempos. Mas não deveria ser assim. Afinal, o Brasil entrou no século XXI mais forte economicamente, mais respeitado no exterior, com instituições (com algumas exceções como o Congresso e o Judiciário) mais evoluídas.É um paradoxo que o ensino público esteja na contramão do desenvolvimento brasileiro.

Isso se deve basicamente a um fato: os baixos salários dos professores que afastaram os bons profissionais. Os de excelência que ainda resistem estão com o estímulo minguando a cada dia. Difícil se dedicar a um sistema que não é valorizado e que acaba deixando de atrair as melhores cabeças para pagar salários bem menores que outras carreiras que exigem menos dedicação e esforço. Eles tinham que ser a nata do funcionalismo, mas estão na base da pirâmide.
Estudei em escola pública, do jardim de infância à universidade. Tudo o que conquistei na vida devo à minha mãe, que deu um duro danado (e carrega as marcas físicas dessa vida difícil), e aos contribuintes brasileiros. Por isso, sempre foi doloroso, para mim, assistir à decadência da qualidade do ensino público. Na minha cidade natal, São João Del Rei, o Colégio Estadual Cônego Osvaldo Lustosa, que ficava num morro, era simplesmente o melhor e mais "apertado" da cidade. A prova de acesso era difícil. Era quase um vestibular. Os melhores professores estavam lá. Era "status" dar aula no Estadual, como era chamado. Faz tempo isso, reconheço.

Enquanto o país preferir pagar salários altos aos burocratas carregadores de papel e menos aos professores, continuaremos a assistir à supremacia da desigualdade e das injustiças. (os negritos são meus)

(Ana D'Angelo, ipsis litteris; repassado pelo Prof. Alex Von Sidow)


Caríssimo Alex

Quanto ao Ensino Público, sobremodo o estadual, este começou a ser "abandonado" pela classe média a partir do "milagre brasileiro" na década de 1970. Toda a elite e os aspirantes à mesma matriculavam seus filhos nos caríssimos e competentíssimos (desde sempre) colégios confessionais (S. Zacarias, S. Bento, Sto. Ignácio, Sto. Agostinho, Marista São José etc.) e naqueles de tradição estrangeira, a saber: Liceu Franco-Brasileiro (quando era vinculado ao Consulado Francês), Colégio Cruzeiro (dos alemães), St. Patrick (dos ingleses) e um número expressivo dos chamados "colégios de freiras", com destaque para: Regina Coeli e Sta. Marcelina.


Destes citados, grande parte continua prestando serviços de ótima qualidade e com resultados mais do que satisfatórios, isto é, colocar os filhos das elites nas Universidades Públicas. Esta inversão de valores (o "público" como objetivo e propriedade de poucos que advêm do "privado") foi o que ensejou, em grande parte, a política das cotas raciais e sociais. Mas essa é outra discussão.

O fato é que todos esses colégios foram prudentes em obter de volta os professores ditos "comunistas", banidos pela ditadura militar (ou mantiveram-nos...sempre que lhes foi possível) e pagar excelentes salários, além de terem à mão condições ótimas de trabalho. Falo dos “multimeios” e infra-estrutura, modo geral. Este último item abrange a importantíssima e tão decantada “valorização do profissional” ou “promoção humana”, tanto faz. Refiro-me aos benefícios, diretos e indiretos (planos de saúde, adiantamentos salariais, colônias de férias, convênios institucionais para aperfeiçoamento acadêmico etc.) ainda mantidos por boa parte dessas casas de Educação.

À guisa de ilustração, aquele que fora o “Colégio Padrão” até o final da década de 1960, o nosso vetusto Colégio Pedro II, encontrava-se em desgraça. Aí não há como deixar de citar o desastre que foi a administração do Prof. Wandick Londres da Nóbrega que quase fez desmoronar a Velha Casa, salva pelo Ministro Raymundo Moniz de Aragão que exonerou Wandick e nomeou o saudoso Prof. Tito Urbano da Silveira para a Diretoria Geral que, gostem alguns, ou não, soergueu a Instituição.

Também vale recordar que da segunda metade da década de 1960 até o final de 1970 , as escolas técnicas eram consideradas pelas elites (tanto as verdadeiras como as que deviam aos bancos), “antros de comunistas”, reduto de operários etc. Eram instituições de “segunda classe” cujos serviços não eram de interesse (imediato) da classe média. Seus rebentos mereciam algo muito melhor e que lhes assegurassem diplomas de universidades públicas, sempre que possível.

Na esteira desses acontecimentos proliferaram os “cursinhos” pré-vestibulares que, de modo inteligente, arregimentaram excelentes professores, alguns ex-torturados que haviam perdido seus cargos públicos e empregos, a exemplo do brilhante historiador alagoano, Prof. Manoel Maurício de Albuquerque, de quem tive a honra e o prazer de ser aluno.

Os salários desses mestres com cargas horárias que chegavam a 80 horas semanais (domingo a domingo) chegavam a ultrapassar o valor de um carro popular da época...o fusca. Ou seja, ganhava-se um volkswagen por mês.

Neste cenário, os poderes executivo e legislativo sentiram-se absolutamente a cavaleiro para reduzir as verbas do ensino público. Não é de hoje que os governos, sobretudo estaduais e municipais, ao falarem em corte de gastos, caem de dentes e garras em cima da Educação e da Saúde.

A deterioração dos níveis salariais dos docentes públicos atingiu seu auge nos alvores dos anos 1980, tanto no âmbito do Estado como no Federal. Toda esta década foi eivada de movimentos políticos (criação de sindicatos e associações de docentes públicos e servidores administrativos, graças ao arrefecimento ditatorial) que buscaram reverter os danos salariais provocados por sucessivas e infelizes atuações dos governos em todos os níveis. Foi uma enxurrada de ações judiciais coletivas e individuais, muitas delas até hoje sem trânsito em julgado, isto é, sem conclusão.


Em suma, estamos, desde 1984, “correndo atrás” de nossos prejuízos, numa exaustiva trilha sigmoide que só tem nos desgastado intelectual e fisicamente. Penso que “jamais se viu antes na história deste País”, nos termos do Sr. Presidente da República, uma classe de profissionais, juntamente com os médicos, tão depauperada quanto a dos professores. Abundam as tendinites, hipertensões, próteses cardiovasculares, quadros de depressão e de angústia que se retroalimentam num cenário que, seguramente, relaciona-se de forma direta com a insegurança financeira.

Basta o correr dos olhos em muitos contra-cheques de professores para horrorizar-se com a quantidade de descontos obrigatórios e outros, tais como os empréstimos consignados, para se ter idéia do quão reféns estão esses profissionais da agiotagem institucionalizada.

Por derradeiro, pois temo já me tornar enfadonho, o tão proclamado “ensino de qualidade” (vício léxico que substitui a locução “ensino de boa qualidade”) está, sim, de modo inexorável, ligado ao valor da remuneração. Esse “papo-furado” de “sacerdócio do magistério” só teve sentido nos tempos em que éramos nivelados com magistrados e generais-de-divisão. Mas isso foi há muito tempo!

PS: outro entrave à boa educação pública é a dificuldade absurda de se obter recursos financeiros e adquirir insumos em face da tal lei de licitações. Some-se a isso a dificuldade em obter autorização para a realização de concursos públicos para provimento de cargos, tendo-se que lançar mão de expediente maldito, o dos contratos temporários que incrementam ainda mais o afastamento dos bons professores. Mas isso é tema para outra conversa.


Receba um fraternal abraço deste colega que muito o estima e subscreve-se, com muita atenção,


Rio de Janeiro, 27 de julho de 2010.


Prof. Haroldo Lemos.






















Um comentário:

Profª. Lygia Vuik de Aquino disse...

Só gostaria de acrescentar, querido amigo, que a mudança na classe profissional, frente a esta injustiça salarial, trouxe o descompromisso arraigado: gostaria de conversar mais demoradamente com você e pessoalmente, para lhe expor algumas angústias a este respeito.
Beijo e saudade,
Lygia