“Aperfeiçoamento em Educação só surte efeito no médio ou no longo prazo”
Posted By Redação Carta Capital On 22 de novembro de 2010 @ 16:00 In Política
O Professor Doutor Haroldo Nobre Lemos diz não acreditar que as universidades privadas tenham capacidade técnica nem orçamentária para elaborar um exame com o grau de qualidade do Enem
Enquanto o ministério da Educação se prepara para anunciar a data de realização no novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para os estudantes prejudicados pelos problemas com a prova amarela, não cessam as discussões sobre o ocorrido na aplicação do último exame no início deste mês.
Para continuar o debate sobre o assunto o site de CartaCapital entrevistou o professor de Ciências Biológicas e doutor em Virologia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), autor do artigo publicado na coluna do leitor do nosso site: Enem não é panaceia para problemas conjunturais [1], em que relata sua vivência com os sistemas de avaliação.
Há 29 anos atuando como docente, inclusive para estudantes do ensino médio, Nobre Lemos afirma que viu todo o processo de avaliação de vestibular discursivo e suas adaptações nascerem e divide sua opinião sobre avaliações do ensino que permeia sua carreira. Para ele, desde quando foi criado, o Enem se tornou vital para mensurar o ensino em todo o País, sua qualidade em termos pedagógicos. “Mas o atual ministro da Educação e a equipe responsável pelo exame foram mais longe, no aspecto social.”
CartaCapital: É possível falar em modelo mais adequado de aplicação do Enem?
Haroldo Nobre Lemos: É preciso que observemos, antes de tudo, que o País conta hoje com Ensino Médio Regular, Técnico e Tecnológico. Daí ser extremamente trabalhoso estabelecer um padrão de questões que avalie, ao final, o rendimento de educandos submetidos a diferentes tipos de prática pedagógica. Diferentes na carga horária, na valorização desse ou daquele tema etc. Penso que um exame que avalia o processo ensino-aprendizagem em um cenário tão multifacetado e soma a isto aspectos sociais (como a democratização do acesso à universidade) só pode ser aplaudido e incentivado.
CC: Podemos considerá-lo mais democrático?
HNL: Sem nenhuma dúvida, uma vez que o exame tem um papel nivelador, mas não nivela “por baixo”. É aí que reside a dificuldade de se elaborar questões para um exame com tal abrangência, quer dizer, um exame com viés social que não descuida do nível propedêutico, dos conteúdos das disciplinas convencionais.
CC: Então ainda não deu tempo de o Enem mostrar a que veio?
HNL: Ainda não houve tempo para juntar os resultados desses mais de 10 anos de Enem e fazer uma análise e poder dizer que esse sistema de avaliação está perfeito. Vamos ter que analisar o Enem cotejando com os dados levantados pelo último Censo, porque se trata de um exame nacional. E é feito no mundo todo.
CC: Como a sr. vê as múltiplas funções do Enem?
HNL: Segundo o ex-ministro da Educação e atual secretário de educação do Estado de São Paulo , Paulo Renato Souza: “O objetivo principal do ENEM é avaliar o quanto os jovens egressos do ensino médio estão preparados para o exercício da cidadania e para os passos futuros de suas vidas”. Não erra o Secretário em tal afirmação, uma vez que aferir o nível geral do ensino fundamental e médio (porque é isso o que o Enem faz, isto é, termina por avaliar o ciclo básico por inteiro) é vital para se mensurar o ensino em todo o País, sua qualidade em termos pedagógicos. Mas o atual Ministro da Educação e a equipe responsável pelo exame foram mais longe, justamente no aspecto social.
Era o que não estava claro quando do início do Enem há 10 anos. Hoje o exame não objetiva apenas democratizar o acesso ao ensino superior , mas, sobremodo, avalia se os jovens oriundos do ensino médio estão, de fato, preparados para o ingresso no mercado de trabalho, na universidade, enfim, se está em condições de participar plenamente do desenvolvimento do País e, por conseguinte, de seu desenvolvimento pessoal, exercendo de forma plena seu papel de cidadão.
E mais, exames como o Enem, permitem comparações entre países e, sobremaneira, entre épocas, isto é podemos cotejar os tipos de provas de diferentes épocas num mesmo país e estabelecer parâmetros importantes.
E não resta dúvida que, no tocante ao PROUNI, a vinculação da concessão de bolsas (integrais ou parciais) aos alunos com bom desempenho no Enem, incrementou significativamente as notas obtidas. Este aspecto somado aos demais de caráter social (ter cursado o ensino médio em escola pública ou em escola privada com bolsa integral, ser portador de deficiência, ser professor, em exercício, do ensino básico da rede pública, objetivando a licenciatura plena etc.) constituem uma verdadeira revolução em termos educacionais no Brasil. Contudo, é mister destacar que qualquer processo de inovação ou aperfeiçoamento na área da Educação não se faz sentir de imediato, tal como a formação educacional de um ser humano considerada de forma isolada. Tudo em Educação surte efeito no médio/longo prazo, mormente tratando-se de tantos “brazis” como é o caso de nossa nação com dimensões continentais e, por isso, com amplíssima diversidade cultural.
CC: Os erros desta edição do Enem foram minimizados por Fernando Haddad. E a opinião do sr. sobre os problemas ocorridos, qual é?
HNL: O Ministro Haddad não minimizou os erros, citou-lhes, isto sim, a exata medida. Quer dizer, consideradas: a abrangência do exame, a complexa fórmula de elaboração das questões a fim de se evitar discrepâncias, e o resultado geral, esses erros assumem, do ponto de vista estatístico um valor irrisório. Mas, de modo algum, eles são perdoáveis, devem ser apurados e analisados, buscando a melhoria do sistema. E não foi diferente o entendimento do Poder Judiciário do Ceará.
CC: Qual o futuro do Enem?
HNL: Recentemente, o Ministro referiu-se ao exame vestibular como um “obstáculo”. E de fato o é…no que se refere ao ingresso nas universidades públicas para alunos oriundos de escolas públicas. E isto o ENEM, sem sombra de dúvida, minimiza. Por outro lado, se pensarmos em universidades cariocas tais como: UniverCidade, Unigranrio, Estácio de Sá, UniSuam e outras do mesmo calibre, não há obstáculo algum, pois se você ficar parado diante de suas portas por quinze segundos e fechar os olhos, ao abri-los já estará matriculado e assistindo aula…sabe-se lá do quê e em qual nível.
Diante desta variedade de cursos superiores de níveis os mais diversos, duvido muito que o poderoso “lobby” dos empresários donos dessas quitandas de diplomas vá aceitar, com facilidade, a substituição de seus vestibulares por um exame único tal como o ENEM. De certo, eles ficariam com centenas de vagas ociosas.
CC: Quais os grandes problemas do atual modelo do Enem?
HNL: Os mesmos que envolvem as eleições, por exemplo. São logísticos e não técnico-pedagógicos. É nesta área que não pode haver erro que seja. Note que a preparação das questões envolve não só sigilo, o que já é parcialmente resolvido pelo fato de todas as questões serem pré-testadas. Isto é, para a prova ser balizada ela precisa ser avaliada segundo fórmulas matemáticas muito complexas para, depois, serem classificadas como : fáceis, médias e difíceis. Emprega-se para tanto a TRI (Teoria da Resposta ao Item) com as questões existentes no BNI (Banco Nacional de Itens) do INEP (Instituto de Estudos e Pesquisas Educaionais Anísio Teixeira). A TRI atribui valores relativos às questões de acordo com a Teoria das Probabilidades. Em suma, para a elaboração final do ENEM, emprega-se uma gama enorme de informações analisadas por supercomputadores que trabalham com “softwares” de 10.000 dólares, “rodando-os” por 48 horas para que se obtenham os pontos que irão compor uma distribuição com base na Curva de Gauss. E há exigências que, embora pareçam sutis, podem fazer toda a diferença na hora da resolução das questões. Por exemplo: as questões têm de ser de múltipla escolha (há uma redação a parte); elas precisam ter uma introdução (um texto, uma charge, um gráfico etc.) e depois o enunciado; não podem ser questões com respostas absurdas; as respostas têm que apresentar uma justificativa; o número de orações que compõem as questões deve ser o mesmo em todas elas, e devem começar pelo mesmo tempo verbal; e assim por diante.
Não imagino que as universidades privadas tenham capacidade técnica nem orçamentária para elaborar um exame deste grau de qualidade.
CC: Muitos vestibulares costumam ter questões anuladas por ter duas opções de respostas ou erro de enunciado. Se isso ocorre em vestibulares, por que quando é o Enem isso se torna grave?
HNL: A dimensão de qualquer falha no ENEM terá a dimensão exata do exame, isto é, torna-se um fato de proporções nacionais, alimentando os discursos de políticos de oposição ao governo, de candidatos derrotados no último pleito, servindo de mote para editoriais de periódicos ressentidos e altamente partidarizados, de jornalistas pré-pagos e toda sorte de críticos de primeira hora que sequer sabem do que estão falando.
CC: O sr. é favorável que o Enem seja aplicado mais de uma vez por ano?
HNL: Sim, sou favorável e torço para que ele o faça. Afinal, se muitas universidades fazem realizar um exame vestibular a cada semestre, nada mais justo que o ENEM acompanhe esse processo e amplie seu papel democratizador do acesso às universidades, principalmente as públicas.
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